EDITORIAL 13.08.2020
O novo tempo que nos foi imposto de forma quase inesperada, coloca-nos num lugar diferente daquele em que nos encontrávamos há poucos meses atrás. A mudança inesperada foi profunda e rápida. Não nos deixou espaço para uma compreensão e para uma análise, não deu tempo para nos prepararmos e surgiu sem hipótese de fuga. Mesmo os mais avisados e conhecedores da matéria foram apanhados, nas suas próprias vidas, de surpresa.
Esta situação pode, agora, ser analisada nas muitas perspetivas em que a vida se viu afetada. Mas entre todas as perspetivas há, como sempre, as evidências e entre todas as que se podem detetar a olho nu, há uma que é visível e é esta, estamos todos mais pobres. Esta constatação pode ser avaliada por economistas, sociólogos, políticos, psicólogos, médicos ou guias espirituais. Podem fazer-se análises desde o extremo do pessimismo ao extremo do otimismo. Aparece quem venha oferecer soluções que implicam sacrifícios e quem ofereça soluções fáceis e rápidas. Mas a avaliação parte necessariamente da constatação evidente de que estamos mais pobres. Como sempre, uns mais do que outros, mas todos mais pobres. Uns fazem uma experiência de forma mais suave enquanto outros a vivem com grande dramatismo, mas todos mais pobres.
Todos os indicadores dizem que estamos mais pobres economicamente. A nível pessoal todas as seguranças desabaram e levantou-se uma grande incerteza. Perderam-se empregos, fecharam empresas, falharam negócios. Isto deixou-nos mais pobres.
Estamos mais pobres porque mais isolados. O convívio, que em algumas localidades do Alentejo já era reduzido, desapareceu, porque fecharam os poucos lugares de convívio. As conversas de circunstância, nos intervalos da vida, nas esquinas e mercados, transformaram-se numa saudação envergonhada por detrás da máscara.
Estamos mais pobres de afetos. Há muitas pessoas que não veem os avós há meses e há avós que morrem sem se despedirem da família. Estamos perto e longe ao mesmo tempo. Ficámos por detrás da janela a acenar aos que passam que é como quem diz, a acenar à vida que passa sem mim. Pobres de afeto por falta de uma palavra calorosa, de um beijo ternurento, de um abraço de amor.
Estamos mais pobres animicamente porque perdemos a vontade, porque mais cansados, menos dinamizados para a vida, com menos confiança, com muitas incertezas e com medo de avançar.
Estamos mais pobres espiritualmente. Se Deus já era invisível, agora temos o distanciamento do humano e uma barreira que nos fecha os lábios e sufoca o olhar. Vemos menos, falamos menos, mas poderíamos escutar mais. Falta-nos a vontade para escutar. Muitos sentem a ausência de Deus e um silêncio difícil de suportar.
No meio desta pobreza restam-nos duas saídas e é necessário escolher uma delas como opção através da qual enfrentamos o presente, mas sobretudo esse futuro que está a ser construído, ou não, a cada segundo que passa.
Ser pobre não é vergonha, vergonha é não fazer nada. Vergonha é ser parasita da vida. Por isso não nos resta outra hipótese senão escolher. Ou continuamos pobres por imposição até que, por arte mágica tudo mude ou escolhemos a pobreza por opção, por desprendimento. Quando se é pobre por imposição vem a revolta, o desânimo e a tristeza. Quando se é pobre por imposição não se tem nada para dar e não se sente a responsabilidade de o fazer e espera-se que tudo nos seja dado, reclamando quando não recebemos o que esperávamos.
Porém, quando se é pobre por opção, por desprendimento, aprende-se a viver com o pouco que se tem e aprende-se também a urgência de dar do pouco que se vai conseguindo recolher no regaço da vida. Então tudo é dádiva, o pouco é muito e o muito gerado no pouco torna-se partilha e sobra.
Pobreza imposta ou desprendimento de tudo o que impede a descoberta do essencial da vida? Não reagir é permitir a imposição de uma realidade que se não quer. Assumir uma atitude é a resposta suficiente para começar a mudar a realidade.
Não se trata de ilusão, de sonho, de imaginação fértil para não ver a realidade. Trata-se de assumir a realidade e agir contra ela com todas as forças, mas com a coerência de quem sabe que não há vida sem dificuldades. Não nos faz bem fugir das dificuldades. Nem é saudável esquecer os outros na hora de viver. Só no encontro se vive plenamente e há mais encontro quando se partilha o pouco, do que quando a mesa está cheia de abundância, porque a abundâncias das coisas empobrece o encontro.
Desta forma crescemos no essencial que é o humano. Esse humano que se dilui quando não se sentem necessidades. Na pobreza somos mais humanos. Na pobreza somos mais iguais. Na pobreza somos mais próximos, mesmo quando nos obrigam ao distanciamento.
Ainda assim, não desejo que ninguém seja pobre ao ponto de sentir que lhe falta o necessário para uma vida digna, mas que todos experimentemos que, muito do que tínhamos, não faz falta e muito do que esquecíamos era, na verdade, o essencial.
Que a pandemia nos ensine o essencial e que o essencial seja afeto.◄