Já aqui falámos de agricultura “regenerativa”, uma forma de usar os solos agrícolas que respeita o equilíbrio dos ecossistemas e se adapta perfeitamente ao nosso clima e aos recursos existentes. No entanto, assistimos diariamente a uma sistemática insistência na culpa das alterações climáticas para tudo, quando ninguém repara que são as práticas humanas que estão desadequadas destas novas condições. Insistir apenas nos efeitos dessas alterações sem pensar em alterar os métodos agrícolas que estão cada vez mais desadequados é que está completamente errado.
É de pasmar a leviandade com que se reclamam aumentos de áreas regadas, quando se sabe da escassez dos recursos hídricos. E agora, apareceu um movimento que defende patetices como a transferência de água do Norte para Sul do país, através de uma espécie de “autoestrada” da água, ou seja, transvases entre as bacias dos rios Portugueses. Estas ideias foram apresentadas num encontro realizado recentemente em Évora, organizado pela “Sedes”, que debatia “Uma Estratégia Nacional para a Gestão da Água em Tempos de Escassez”. Segundo esses indivíduos, o problema existente não é de “défice hídrico”, mas sim um problema de distribuição que poderia ser ultrapassado com o “transporte de água do Minho para o Algarve”. Esta proposta de transvases entre bacias é uma ideia completamente disparatada. Para além dos custos incalculáveis que teria e que iriam ser refletidos no preço da água, iria ainda aumentar o grave problema do mau uso da água em solos que já nem qualidade têm para serem regados. Seria a desgraça final do Alentejo e do Algarve, com a destruição do que ainda resta da paisagem, do ecossistema e da biodiversidade, tanto vegetal, como animal. Plantações indiscriminadas de espécies estranhas ao nosso contexto, ainda por cima em imensas manchas continuas e em solos inadequados, provocam uma erosão fatal e uma contaminação extrema dos lençóis freáticos. Seria um desastre ambiental, social e económico, ainda pior dos que aquele que já vivemos. Por exemplo, os recentes anúncios de construção de novos blocos de rega está já a provocar uma nova leva de procura de terras, num processo de inflacionamento dos valores que vai dar origem aos clássicos processos especulativos. O que remete os interesses desta nova agricultura para outros processos que não têm nada a ver com a agricultura, mas com formas alternativas de usar o dinheiro.
Paralelamente a estes problemas, e apesar dos alertas dos especialistas, a força da economia destrutiva está sempre a ganhar batalhas. Este tipo de “investidores” só pensa nos lucros imediatos e passageiros à boa maneira farisaica. Estão pouco preocupados com o que deixam aos seus filhos e netos, porque o que lhes interessa são apenas os seus interesses momentâneos. Tudo concentrado num imenso processo de destruição de recursos, sem se pensar nas consequências futuras. Este tipo de “desenvolvimento” não têm qualquer preocupação com as pessoas, com o planeta ou com o país. O facto é que estão já programados mais cerca de 3 mil hectares de área regada, que vão desbaratar recursos importantes, para regar solos sem aptidão agrícola para as novas culturas. O custo da água não importa a estes novos agricultores da desgraça, porque os recursos que usam são públicos, a mão de obra é escrava, e os terrenos nem sequer são deles. A maioria são alugados e serão abandonados depois de esgotadas. Quando se forem embora, os que cá ficam que fiquem também com os problemas.
Os dados disponíveis registam que os níveis críticos das reservas hídricas, quer das barragens quer dos lençóis freáticos subterrâneos, obrigam a que, a muito curto prazo, se racionalize com inteligência os consumos excessivos, em especial na agricultura. Não são os consumos humanos ou mesmo as piscinas publicas ou privadas que gastam a água irracionalmente. É a agricultura que usa e abusa dos recursos.
Para alem deste panorama de degradação dos solos, a redução de caudais provocada pela retenção da água nas barragens acelera o fenómeno verificado nos leitos dos rios denominado como “cunha salina”. Consiste na salinização da água doce gerada pelo avanço subterrâneo da água do mar em direção ao continente. Ainda provoca a erosão costeira pela redução dos caudais de arrastamento. As barragens, contrariamente ao que as pessoas pensam, se forem em excesso, tornam-se elas mesmo um grave problema ecológico. Devemos sempre recordar os avisos sábios de Gonçalo Ribeiro Telles, que sempre foi contra as grandes barragens, como a de Alqueva. Defendia a construção de pequenas barragens, mais económicas, o que evitava o problema da condução da água, aproximando-a dos solos regáveis, dispensando assim de grandes construções de canais. Evitava ainda a evaporação e defendia os cursos de água e a sua biodiversidade. No entanto, continua-se a reclamar a construção de mais barragens e a abertura descontrolada de furos. Aquilo que se pensava vir a resolver problemas de falta de água há uns anos, foi apenas ilusão porque os problemas continuam a existir, e mais agravados. Os níveis de armazenamento da barragem do Alqueva, com a precipitação que ocorreu em Dezembro e início de Janeiro, permitiu o enchimento da barragem. Ainda assim, com o excesso de rega, prevê-se que a reserva rapidamente se esgote, face ao aumento do consumo pelos novos blocos de rega que se estendem por uma área com cerca de 140 mil hectares. Mesmo assim, os apelos para o aumento da área regada não param, quando o que se devia fazer era adaptar a agricultura aos meios disponíveis, reduzindo áreas de exploração, alterando os processos e os sistemas de modo a fazer uma agricultura amiga do ambiente. Mas não. Enquanto as pessoas se forem iludindo com a culpa ser das alterações climáticas, vamos continuar a caminhar a passos largos para a desertificação do Alentejo. ◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de julho 2023
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