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“A moda dos roços em paredes de taipa, pedra ou tijolo maciço em reabilitação de edifícios antigos pode ser mortal”

Numa recente entrevista ao Diário de Notícias, o Eng.º José Paulo Costa, especialista em reabilitação de estruturas, disse, a propósito do sismo ocorrido em Marrocos onde morreram mais de 3000 pessoas, que “metade dos edifícios que existem em Lisboa não resistem a um sismo”. E disse ainda que as piores zonas, mais prováveis de sofrerem sismos violentos, se situam em Lisboa e vale do Tejo, no Alentejo e no Algarve.
Em Portugal existe muita legislação sobre estruturas, cálculo térmico, som, gaz, energias alternativas, e outras, que obrigam a fazer imensos projetos para se construir ou renovar uma habitação. Mas, a maioria desses projetos não servem para nada. São mal feitos e sem controle de ninguém, apenas garantidos por um “termo de responsabilidade” do seu autor. Apesar da nossa legislação ser das mais avançadas do Mundo, não existe fiscalização, em especial nas obras particulares. Diz José Paulo Costa que “a legislação portuguesa é ótima. Entrou em vigor também agora, salvo erro, em2021, o Eurocódigo 8, que é a norma mais evoluída em termos mundiais para proteger as construções do sismo,” mas também refere: “trabalho mais nas obras públicas do que nas obras particulares. Nas obras públicas, em geral, cumpre-se a legislação. Nas obras particulares, aí existe a omissão, está a ver? Ninguém fiscaliza, de facto”. Diz ainda que quando tivermos um sismo com o nível do de 1755, que o número de mortos pode estar entre os 200 e os 300 mil.
Ou seja, somos excelentes na burocracia e nos papeis, mas como os papeis são para arquivar e apenas para que os donos das obras gastem dinheiro inutilmente, nada daquilo que está na lei serve para alguma coisa. No entanto, há quem ganhe muito dinheiro com estes papeis. Primeiro de tudo os técnicos que os fazem. Como são papeis inúteis, sem nenhum controle, não têm sequer de se preocupar com a sua qualidade. Aquilo vai ser certificado por uma entidade a troco de umas centenas ou milhares de euros, e não havendo fiscalização não necessita de nenhum rigor. As entidades que certificam, são mais ou menos empresas privadas que o fazem em nome do estado, apesar de terem nomes que facilmente se confundem com organismos públicos. São elas que dão os cursos de formação, que passam os certificados aos técnicos, e que depois cobram pela certificação, um papel que não serve para nada, mas que custa as tais centenas ou milhares de euros. A mesma empresa faz o foguete, lança-o, e depois apanha as canas. É um negócio da china, promovido pelo estado para dizer que está tudo bem feito. Como não há fiscalização nas obras, tudo é feito como o dono da obra quer. É assim uma coisa parecida com a legalização dos judeus sefarditas, uma ação disfarçada de boazinha, de útil e de socialmente aceitável, mas de que só beneficiam uns poucos. Estão neste caso os certificados energéticos, de gaz e de som, que não servem para nada senão para gastar dinheiro. Não resolvem nada nem contribuem para qualquer melhoria de qualidade na construção.
No caso de construções particulares novas, nem estado nem os municípios fazem fiscalização às armaduras ou ao aço utilizado nem se está de acordo com os cálculos apresentados. Para isso, os fiscais teriam de ser engenheiros especializados em estruturas, e as fiscalizações obedecerem a regras de controle que não existem, como por exemplo verificar as armaduras de aço antes de betonar os pilares, as vigas e as lajes. Por outro lado, como a legislação sofreu alterações e já há projetos de reabilitação que não precisam de licenciamento, os donos das obras podem no interior tirar as paredes que quiserem, abrir vãos e roços de qualquer maneira, e destruírem a estrutura dos edifícios, o que se torna mais grave no caso de edifícios antigos, apenas com paredes resistentes, que se forem deterioradas perdem a pouca resistência que ainda têm.
Uma das manias na reabilitação de edifícios é a de picarem os rebocos “até ao osso” (só o termo arrepia), destruindo paredes, por vezes com centenas de anos, e a solidez das ligações entre os seus elementos. Depois, substituem esses rebocos sólidos por argamassas incompatíveis com as paredes antigas. Por puro desconhecimento e ignorância, originam problemas de segurança em especial no caso do sismo. Outra moda são os roços para eletricidade, água, esgoto, ar condicionado, caixas para contadores, caixas de visita diversas, bocas de incendio, antenas parabólicas, painéis solares, e a passagem de quilómetros de tubagens e redes diversas. As paredes de taipa, pedra ou de tijolo maciço, são massacradas com mais essa perda de massa e sujeitas a esforços extra com o uso de martelos pneumáticos cujas vibrações destroem todas as ligações. Estes casos são diários, mas ninguém lhes acode.  Os próprios municípios e os distribuidores da energia e dos serviços de televisão, telefone e Internet esburacam quanto podem para instalar caixas enormes que atravessam paredes autoportantes sem terem a noção do perigo que estão a provocar. Este tipo de paredes maciças, resiste bem a esforços verticais, mas não a esforços horizontais. Com os roços e buracos abertos, nem a esforços verticais ficam a resistir. Vão abrir rachas apenas pela influência dos ventos e da movimentação natural provocada pelos pesos dos telhados e abobadas e se houver um tremor de terra, caiem que nem castelos de cartas justamente pelas fragilidades criadas pelos roços e caixas.
O surpreendente é que os técnicos municipais e das empresas de fornecimentos diversos fazem esta destruição sem qualquer controle. Não têm nenhuma formação em construção, nem lhes ensinam como proceder. As caixas são de plástico, sem qualquer resistência, e foram feitas para introduzir em paredes não resistentes de tijolo furado ou de placas de gesso cartonado, nunca para paredes de taipa ou de alvenarias de tijolo de burro ou de pedra.  Se houver um sismo como o de Marrocos, ou pior, todas essas construções vão desabar sobre quem estiver lá dentro. Não basta já que elas, por natureza, não tenham resistência sísmica, como estarem ainda a serem fragilizadas pelos “picotados” que se fazem para os tubos, canalizações e caixas, e pela retirada de paredes e aberturas de vãos sem correção estrutural. Vamos esperar para ver. Os sismos andam por aí.   ◄

Publicado no Jornal PALAVRA, edição de outubro 2023

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