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A nossa praia é o quotidiano da vida

Estamos num tempo novo, com os jovens de sempre. Os jovens não mudam, porque a vida, repleta de desafios, toca à porta de todos, sempre com aquela cara de surpresa e desafio. Viver, a vida dos jovens, não é nada fácil e a Igreja, a igreja dos jovens, quer estar com eles quando a vida de todos os dias bater na porta de sua casa.
Cristo está vivo, mais do que nunca, com o mesmo vigor de sempre. A JMJ Lisboa 2023 foi (está a ser) uma onda gigante para a qual todos nos fomos preparando. A logística estava assegurada, a segurança talhada à medida, a proteção na ordem do dia, mas a onda que ali nasceu, nasceu de dentro, nas estruturas físicas de cada espaço, mas antes da interioridade de cada pessoa que ali viveu aquela experiência. Todos, todos, todos. Peregrinos, voluntários, famílias, polícias, homens e mulheres do som, mulheres e homens da saúde, sinalizadores de percursos, vendedores de chapéus, distribuidores de patê de grão. Deus nasceu-lhes na alma, porque andava desde sempre agarrado ao seu íntimo. O mundo parou de correr, por instantes, e todos, perante a paragem, sentiram o frio do silêncio e das tréguas da velocidade.
A Igreja é viva, tem jovens, mas isso sempre foi. Os jovens apresentaram-se em Portugal, capazes de surfar esta onda. E agora? E depois? Estaremos à altura da onda? Ou vamos deixar cair-nos quando o mar nos fugir debaixo dos pés? Que não nos deixemos iludir… a onda gigante vai passar, mas essa é a natureza do mar, ondas grandes ou pequenas, vão sempre morrer na praia, dando vida à areia que vamos pisando, apagando os sinais que fomos deixando apenas por estarmos ali, sem grande esforço, força ou reforço. Entre as ondas sim, nas ondas só de ser, porque a praia é o dia-a-dia da vida de todos, na descoberta de cada um, no caminho de pedras que não se vê debaixo da areia fina de verão, engrossada no inverno, fustigada pelo vento, escura como breu na noite após o dia.
A onda não, talvez, mas a praia sim. Se a Igreja quer continuar na onda, tem que entregar com segurança os jovens à praia. Na praia vivemos a normalidade dos dias, a dificuldade da vida, a dureza do tempo e a incerteza das nossas escolhas. Deus está connosco e a Igreja desempoeirada tem que abrir as suas portas a todos, mas não a tudo, mas a todos, porque cada um, com a sua história, com a sua vida, com a sua dor e com a sua alegria, traz para a Igreja a sua voz, a sua alma, a sua força e o seu testemunho. Depois de a Igreja se abrir, não são os Homens que estão que esperam os que chegam, é Cristo quem recebe quem veio e desse encontro, se for verdadeiro, e cada um saberá disso por si só, então, desse encontro com Cristo, é escrito mais um capítulo na história dos que chegam, acompanhados pelos Homens que estão.
Queremos estar onde os jovens estão. Queremos viver com eles a sua vida. Queremos colocar ao serviço de todos e de cada um, todos os dons do bem, todas as entregas da vida. A Igreja abre-se ao diálogo, à escuta ativa e daí segue caminho, através do único Homem que contínua a morrer para dar a vida eterna a todos, todos, todos os que o conseguem seguir com a verdade que não engana nunca. Eu sou de Cristo se os outros sabem ver isso, não pelos meus medos, mas antes pelos meus sonhos. O tempo perde-se se não avançamos já, não precisamos de pressa no passo, mas necessitamos muito de apressadamente ir.
O tempo vai apagar a vontade do mundo, mas o mundo nunca apagará a vontade de quem vive esta experiência de encontrar a Cristo. O anúncio desta verdade, ganha extra relevância no acompanhamento que queremos dar, na forma de comunicar, na forma de construir, na forma de amar, na forma de estar, na forma de ir, levar, ficar e ver. Queremos ir a todas as periferias, mesmo as da falta de informação, as da falta de tato, as da falta de tempo, as da falta de método, as de falta de nada porque tudo têm mas por isso se quedam sós, sozinhas, isoladas do mundo que compraram e descrentes do mundo que nos é dado.
Somos o agora de Deus porque o futuro não nos deixa esperar mais. Somos Igreja viva que acolhe quem chega, mas também somos saída para junto dos que ainda não ganharam toda a coragem para virem. A Igreja é agora. Os jovens são agora em Deus. O tempo é agora. Não vamos ensinar ninguém a rezar, a não ser que seja preciso, mas vamos pegar nos rosários de contas que cada um traz debaixo da pele e vamos pela vida fora, um dia de cada vez, um embate de cada vez, um problema de cada vez, pois a solução está na vida e a vida está em Cristo e só quem vive tem Cristo e só quem é de Cristo é chamado pelo nome, desde o ventre de sua mãe.
Somos deste tempo, porque este tempo é igual a tantos outros, o que muda é a onda, a praia, essa praia onde queremos chegar, que conta com as marcas dos Homens, apagadas pela vida, mas assentes nos passos de Deus, continua a ser a nossa praia e somos tão bons nisso, somos tão capazes disso, porque somos o agora de Deus…
Somos o agora de Deus…deixa ver se Deus sabe disso… por cada um de nós… ◄

Publicado no Jornal PALAVRA, edição de Outubro de 2023

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