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A nova velha notícia

Todas as manhãs uma nova notícia que nos faz tremer, agora, talvez como sempre, talvez mais acentuada, com a gravidade acrescida de termos novas notícias que não nos chegam em tempo útil, por inteiro, vêm a meio-gás, entre tweets e publicações de facebook, que o conteúdo exclusivo que o pague quem pode, foi giro nos primeiros meses de pandemia, mas o lucro tem de continuar a sê-lo.
Todas as manhãs numa nova notícia que nos faz tremer, tantas vezes podendo-se-lhe chamar de velha notícia, esta de que me ocupo remonta a dois séculos atrás, lá do outro lado de um oceano grande, e ali nascia, acabada a guerra civil americana, uma nova guerra que ainda hoje pesa nas costas de tantos. E temos filmes, tantos filmes, tanta literatura, tanta página de wikipédia, tantas fotografias a circular, tanta música, sobre esta velha notícia: não a conhecemos como nossa, talvez a novidade seja mesmo essa, e chamamos-lhe o KKK (Ku Klux Klan).
Muito como tudo o que é mau, dispensará apresentações: reacionários e extremistas, aparece no mundo este “clã” cuja missão seria, desde então, “espalhar a notícia” da supremacia branca, do racismo, do nacionalismo cego, e da anti-imigração. Conhecemos-lhes os capuzes brancos apalhaçados, cuja única função (além do valor estético-dramático) será manter nas sombras as caras que não se dão pelas causas que defendem, talvez por muito pouco de causa terem.
Conhecemos-lhes as cruzes em chamas plantadas em casas de cidadãos afroamericanos, explosões e perseguições cinemáticas mas que pouco de ficção têm. Conhecemos-lhe o impacto histórico, e o seu suposto desfecho: atualmente, pouco mais do que alguns milhares de pessoas farão ainda parte do dito clã.
Foi ontem noticiada pelo Público (e de referir que o foi através de artigo exclusivo para assinantes, o que bem revela a hierarquia de prioridades de muitos dos nossos jornais) uma “parada” noturna nacionalista, em frente da sede do SOS Racismo, em Lisboa, com dezenas de indivíduos em vestes em tudo idênticas às do KKK – máscaras brancas a cobrir os rostos, tochas acesas em jeito de protesto pelo “racismo antinacional” da organização.
Pelo pouco que foi ainda noticiado, supõe-se que tenha sido organizada por uma nova milícia da extrema-direita portuguesa, tão na voga nos dias que correm, desta feita denominada Resistência Nacional, patrocinada, como não poderia deixar de ser, pelo líder da Nova Ordem Social (agora adormecida), Mário Machado, mas contando também com o caloroso e sempre presente apoio de membros do Partido Nacional Renovador e, naturalmente, com a presença de membros dos Hammer Skins, apoiantes do chega, e claques ilegais de futebol.
Entretanto, outras organizações do género vão surgindo (a mais recente, uma tal de Nova Ordem de Assis, que terá enviado inclusivamente alguns e-mails com ameaças ao SOS Racismo que, nem há um mês atrás, viu escrito nas paredes do edifício “Guerra aos inimigos da minha terra”), muito na onda de tudo o resto que se passa no mundo (começando, recentemente, em George Floyd) e em Portugal (como o recente assassinato do ator Bruno Candé).
O pior cego, diz-se, e com sabedoria, é aquele que não quer ver – e se dantes teríamos a possibilidade de nos entender míopes, porque só lá longe é que o mundo é feio e mau e preconceituoso e racista, hoje não há como negar a necessidade de ajustar as nossas lentes. Estão riscadas, empoeiradas, e a precisar de adaptação – não há nada como um olhar que veja com clareza e foco.
É isso que o estado da arte nos pede hoje: que sejamos atentos, observadores e que, nos momentos certos e adequados, saibamos insurgir-nos contra as verdadeiras ameaças que, já se sabe, serão muito menos as pessoas com mais ou menos melanina e muito mais o preconceito e o ódio.

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