Hoje foi dia de medicina do trabalho.
O dia amanheceu promissor – acordei antes do despertador tocar, exatamente quinze minutos, e saí de casa a dois minutos do horário planeado. Depois de duas semanas em teletrabalho, recolhida em casa sempre que possível, a antecipação de sair e viver o quotidiano, por aborrecido que pudesse parecer, só veio reforçar o bom humor da manhã (praticamente inédito, mas nem por isso menos bem-vindo).
O resto do dia não correu tão bem, e aqui, confesso, começa a minha culpa. As Jornadas Mundiais da Juventude acabaram de terminar e, não tendo, desta vez, participado delas, colhi aqui e ali os frutos que de lá caíram (ainda que não necessariamente destinados à minha pessoa) – por tal, não tive como não franzir a cara ao comprar o bilhete do metro. Experimentámos a primeira máquina, e a segunda, e a terceira. À quarta, lá percebi que não havia bilhetes, por certo por ainda não haverem sido repostos (?). Por o dia ter amanhecido promissor, não perdi logo ali a esperança. À quinta máquina, comprei o meu bilhete, e meti-me a caminho do Hospital. As análises clínicas levaram vinte minutos – o caminho de ida e volta duas horas. Tentei não perder a calma, sabendo que, afinal de contas, o reforço nos transportes públicos tinha de ser sol de pouca dura – com as JMJ terminadas, por que outro motivo seria importante que o metro tivesse uma frequência superior a quinze minutos? Não é como se estivesse com pressa, e ainda havia um pequeno-almoço a tomar antes de retomar a labuta (repor os níveis de açúcar, e coisas que tais). O pequeno-almoço, pensei, comprá-lo-ei no Continente a caminho do trabalho – lá chegada, entre duas saladas de validade a expirar, peguei a menos amassada e levei para o escritório.
Certo, certo, talvez – admito-o, pronto! – tenha saído de casa com as expetativas em altas. Durante o período das JMJ, do pouco tempo que passei na rua, tudo parecia auspicioso: os transportes a funcionar como há anos me garantiam ser impossível que funcionassem; os supermercados recheados de iguarias que raramente ali encontraríamos; uma organização na cidade que se presumiria inalcançável, e pelos vistos, assim se mantém, pelo menos para quem a habita.
Certo, certo, talvez tenha dado um passo maior do que a perna – assentada a desilusão, o dia não terminou com o mesmo tom positivo; cheguei a casa exausta (os transportes vinham a rebentar, e atrasados, e com avarias), mas resignada (pelo menos não houve um esforço ativo de me varrerem para debaixo do tapete como aconteceu, por exemplo, com as pessoas em situação de sem-abrigo em Lisboa), e até um pouco grata (o mês vai no oitavo dia e continuo sem dinheiro para viver com condições mínimas na cidade, mas ao menos não paguei o triplo da minha renda para aqui passar uma semana em condição de peregrino).
No final do dia, não sei se gostaria de outras Jornadas por aqui – a malta foi muito feliz (ainda bem, é isso que se quer), e eu feliz pela malta, mas sinto-me um pouco como uma criança que roubou um doce que nunca foi verdadeiramente seu e que agora se vê forçada a comer couves o resto do tempo.
Amanhã trabalho em casa – talvez por isso (não é motivo mais que bom?) a manhã chegue mais promissora e menos desapontada. ◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de agosto 2023
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