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Mais um “evento” para esturrar fundos comunitários

Há uns anos, ocorreu em Monsaraz um evento impactante, com uma grande tenda de plástico transparente, onde o então PM Sócrates propagandeou os grandes projectos turísticos de Alqueva. O apoio local e a divulgação foram enormes e impressionaram as pessoas desprevenidas. É para estas pessoas que se destinam estes eventos, que se aproveitam de fundos que deviam estar destinados a outro tipo de reuniões, importantes e necessárias para a democratização das decisões. Resultados daquele evento? Nada. Deu lucro aos promotores, a quem forneceu as tendas, os caterings e a segurança. Muitos se calhar já se esqueceram, mas seria bom contabilizar os custos destas operações que distribuem dinheiro, às pazadas pelo amigos, mas que não passam de propaganda política mais própria de estados totalitários.No passado fim de semana, realizou-se, de novo em Monsaraz, mais um desses eventos de propaganda pura, com o pomposo nome de “WATER World Forum for Life”. Um evento que nem sequer respeita a língua Portuguesa e se apresenta com um nome em Inglês, para impressionar. Os participantes eram todos convidados, pagos, e os poucos que assistiram nem sequer podiam intervir. Sem direito a discussão, sem perguntas, sem nenhuma conclusão. Um “evento” apenas para esturrar dinheiro dos fundos comunitários, cheia de “entidades”, transmitida na internet, com centenas de milhar de “visualizações” e “likes”, mas que espremida não dá em nada.A organização pretendia abordar “a sustentabilidade ambiental e as boas práticas na preservação do meio ambiente”, discutir “as medidas já adotadas e a implementar ao nível das políticas ambientais”, apresentar “soluções de eficiência energética”, e sensibilizar “o público e as empresas para o tema”. Enquadrado na agenda 2030, anunciava “reunir entidades nacionais e internacionais com impacto na área”, “possibilitar a troca de experiências internacionais e fortalecer as políticas ambientais em prol de uma sociedade mais consciente”. Auto anunciou-se como o “maior evento sobre a temática da água, das questões ambientais, e do turismo sustentável” – para este tipo de gente tudo pode ser sustentável mesmo o que é justamente o seu contrário. A organização esteve a cargo de uma empresa discreta, especialista em jantares de natal, congressos e corridas de aviões, com nome estrangeiro. Uma tal de “TheRace”, que apresenta um CEO, umas Beneditas e uns Martin(s), e que recorre com persistência a termos indecifráveis como awareness, e stakeholders. Tudo pago por fundos comunitários, em estreita colaboração com o governo, as instituições de defesa nacional, as agências regionais e o município de Reguengos. Trabalham só com grandes empresas como a TAP, Novo Banco, RTP e outras onde o dinheiro é fácil e público, ou seja, dão uso aos impostos de quem trabalha.

Os convidados, na sua maioria dirigentes de “fundações” e “institutos”, gente sem currículo nas matérias que devem o seu sucesso à presença no Youtube e nas redes sociais, mas que nem uma linha escreveram sobre qualquer destes assuntos, são profissionais em palestras pagas a peso de ouro. Leram uma ou outra declaração de circunstância, e como previsto, nada foi discutido. Mas foram alinhavadas previamente umas conclusões para enviar à entidade financiadora das centenas de milhar de euros que custaram o aluguer dos plásticos, os inevitáveis caterings e o cachet das estrelas da televisão que abrilhantaram as sessões. Também deu para pagar os parolos espetáculos de ”luz, água e som” que “deslumbraram” quem não está habituado a ver nada e por essa razão se translumbra com tudo.

Não se falou nada do que se devia ter falado, como da agricultura super intensiva que gasta água em quantidades irresponsáveis, ou da poluição que derrama nos terrenos e na bacia hidrográfica que alimenta a barragem, nem dos problemas da mão de obra escrava dos campos de Odemira. Aliás, o que se pretendia era exatamente apagar o impacto destas malfeitorias, e recitar umas quantas homilias vazias de conteúdo, para encher os sites e páginas de visualizações que engrandecem um evento sem qualquer interesse para os temas que se anunciavam.
Estava prevista a presença de vários membros do governo como Serrão Santos e Matos Fernandes ministros do Mar e do Ambiente, as Secretárias de Estado do Ambiente, do Ambiente e Ação Climática, e da Valorização do Interior. Um governo que nada tem feito em relação à agricultura, à água, ao interior e à já cansada sustentabilidade, antes tem contribuído exatamente para a degradação do ambiente, das questões sociais e para a destruição do território, da paisagem e do património, quando podiam ter feito alguma coisa pois para isso têm tido oportunidade. Se calhar, foi por vergonha, arrependimento ou medo de eventuais manifestações que não apareceram, apenas intervindo virtualmente com mensagens ligeiras de 5 minutos.
A regra da sustentabilidade, coisa que este tipo de promotores desconhece, diz que os benefícios destas barracadas, devem ficar no local do evento, de modo a minorar os impactos causados. Veremos quanto do gasto nos alugueres das barracas e estruturas, na alimentação, nos transportes, nas montagens e nos diversos fornecimentos, fica em empresas locais. Suspeita-se até que quem vai pagar a limpeza, a cedência do espaço, e os consumos da eletricidade e da água (se não tiverem ainda envolvidas outras faturas) serão os do costume, ou seja, os recursos locais. Numa altura de eleições, já se sabe qual o principal objetivo deste tipo de feiras.
Por fim, apesar das reações que este tipo de embuste devia causar, porque esturram milhões públicos em promoções pessoais e partidárias, não se viu nenhuma denúncia política das oposições, sejam nacionais, regionais ou locais. Antes pelo contrário, até gostam de aparecer, sorridentes, em fotos onde se juntam ao regabofe, mas caladinhos que nem ratos. Se os que governam não servem, os que esperam governar são iguais, senão piores.◄

Publicado no Jornal PALAVRA, edição de junho 2021

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