Começaram no passado dia 02/01/2021 os debates entre os candidatos à Presidência da República, e que durarão até ao próximo Sábado, dia 09/01/2021: e se julgássemos que o tom da semana seria lançado pelo primeiro debate, entre o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, a eurodeputada Marisa Matias, a ideia terá caído completamente por terra após os trinta penosos minutos de “debate” entre o cabecilha do Chega e João Ferreira, candidato apoiado pelo PCP.
Ora, se pouco se pode dizer quanto ao primeiro debate, onde se sentiu uma cordialidade quase excessiva das partes (apesar de ambas terem, a final, transmitido bem alguns pontos-chave das respetivas candidaturas) e uma discussão à temperatura ambiente, coisa diferente se terá passado no segundo debate da noite, emitido pela TVI 24, e moderado pela jornalista Carla Moita.
Há muito por onde pegar, mas retiram-se sobretudo duas grandes conclusões: a primeira, de que trinta minutos de debate não se coaduna com a importância do que está em causa – não faz sentido que existam, afinal, emissões de horas de programação de entretenimento (estou determinada em descobrir se existe alguma hora em que o Big Brother não esteja a passar pela TVI, mas cada dia mais conformada em aceitar que não) e, a semanas das eleições que votarão a próxima ou o próximo Presidente da República, haver apenas trinta minutos de tempo de antena para que quem se candidata se possa fazer ouvir, a si e às suas propostas; a segunda, a menos surpreendente e nem por isso menos gritante, de que nem tudo é debatível, sobretudo quando estamos perante ideologias que, mais do que debatidas, exigem que as combatamos. Mas vamos por partes.
Comecemos, pois, pelo óbvio: o volume do “debate” (a que me referirei, doravante, sempre entre aspas, pois que de debate teve pouco, se alguma coisa), iniciado por André Ventura, naturalmente, que por certo se terá olvidado (se é que alguma vez a soube) da diferença entre debate político e comentário futebolístico. João Ferreira, por norma dotado de uma assertividade admirável (que, apesar de tudo, não perdeu), viu-se pois encurralado: eu, espectadora, senti-me de novo numa formação de atendimento de call-center, com a voz memorizada no fundo da minha cabeça de que o normal quando alguém eleva o tom é elevá-lo ainda mais. Conclusão: apesar de confuso, desconexo, e totalmente ilógico, ouviu-se mais (e lamentavelmente) as intervenções (todas ou quase sem qualquer fundamento ou honestidade política) de André Ventura do que as investidas de João Ferreira.
De resto, não houve lugar a grandes surpresas: desde a ausência de moderação por parte de Carla Moita aos soundbites de André Ventura (que, sabichão, pegou em praticamente tudo o que se poderia criticar do Partido Comunista, e atirou para o ar todos os chavões, para ver se algum caía no goto de alguém – caiu, dado que o site do PCP e da candidatura de João Ferreira chegaram a estar em baixo, desconfia-se que por fact-check dos espectadores do “debate”), todo o momento foi aflitivo.
Ventura, que não negou a associação a Bolsonaro, não respondeu com clareza às confrontações e, ao jeito Trumpista, não respeitou quaisquer regras estabelecidas para este tipo de debates, foi depois tido – citando a triste tirada do comentador da TVI – como “o vencedor do debate”; é pois, assim, que vamos normalizando a estadia (já prolongada, se é que alguma vez merecedora de um posto) da extrema-direita na política portuguesa, e, há que reiterar, não é normal. Que a democracia se cumpra plenamente não é incompatível com uma boa gestão do mal que já deixámos entrar pela casa: pois que se exija moderação de quem deve moderar, que se exijam microfones fechados se tal se confirmar necessário, e que, por favor, não se dê mais tempo de antena a André Ventura que, afinal de contas, foi protagonista além dos trinta minutos do triste “debate” pela boca de comentadores que deveriam saber melhor. ◄
- Publicado no jornal PALAVRA edição de janeiro 2021
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