> Por: Rui Mataloto
A obra em curso impôs a melhoria da cobertura da Igreja, a qual mantinha parte da estrutura de madeira certamente centenária, bem patente no uso de espécies arbóreas cujo uso há muito se perdeu, como o castanho. Outro elemento que conferia grande antiguidade à cobertura era o uso claro, nas traves-mestras e “madres”, de pregos forjados, indicadores de uma produção não industrial dos mesmos.
O sistema de cobertura, hoje no centro do debate sobre a melhor forma de corrigir os problemas inerentes à sua estrutura, teve sempre associado problemas que desenho e funcionalidade. A cobertura das abóbadas da Igreja conheceu diversas soluções ao longo do tempo, sempre com platibandas, caleiras e sem beirado, dando origem às diversas gárgulas ainda hoje visíveis. No entanto, ao longo do tempo estes sistemas foram sendo alterados, melhorados ou mesmo abandonados pelas exigências de manutenção e dificuldade de drenagem das águas, o que conduzia a infiltrações bastante problemáticas. No séc. XVIII, durante as remodelações da cobertura do altar-mor, na sequência dos danos do terremoto, que cremos terem dado origem à configuração atual, eliminaram-se as caleiras e gárgulas, optando-se pelo sistema de beirado, mais eficaz e com menor manutenção.
A limpeza de toda a cobertura permitiu igualmente identificar um conjunto de escudos incisos no reboco da cobertura. Estes distribuem-se pela metade Sul, tendo diversos tamanhos. Os escudos apresentam-se lisos, sem decoração interna, com um modelo certamente vigente no séc. XVI, ainda que não apresentem qualquer insígnia. A par destes foi também documentado um símbolo de forte significado inciso sobre o reboco. Um coração transpassado por uma seta. Este símbolo, que acabou por ganhar forte significado Mariano, reporta-se com clareza ao fenómeno de transverberação sofrido por Santa Teresa de Ávila, em finais do séc. XVI e que pode, pela proximidade cronológica, ter tido reflexo em Monsaraz ainda durante a construção inicial da igreja. No fundo este fenómeno reporta-se às chagas físicas deixadas por uma intensa dor espiritual causada pela perfuração do coração por uma flecha incandescente, simbolizando a integração plena na comunhão espiritual com Deus, e a configuração definitiva a Cristo.
Sendo difícil documentar qual a cronologia destes elementos incisos na argamassa, estamos em crer que sejam do momento inicial de construção da Igreja, já que se encontram no reboco primitivo. Por outro lado, a construção de um apoio de suporte da estrutura de madeira sobre um deles, certamente numa fase de remodelação em que se abandona o sistema de cobertura primitivo, leva à sobreposição de um pilar ao elemento inciso com o coração transpassado. ◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de abril 2023
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