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“O Cante Alentejano é muito diferente numa taberna ou num Grupo Coral”

Faz este mês oito anos que o Cante Alentejano foi classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Este reconhecimento valorizou muito o Cante e o Alentejo e despertou para a riqueza da alma e cultura alentejanas presente em tantos grupos corais espalhados pelo Alentejo.
No concelho de Reguengos de Monsaraz estão em atividade dois Grupos Corais, muito solicitados para atuações no país e no estrangeiro.
Portadores de um património classificado e apreciado internacionalmente, os grupos corais sentem a responsabilidade de uma maior preparação e contratam mestres ensaiadores, pessoas com conhecimentos musicais e com espírito alentejano que os ajudam a melhorar as suas atuações.
É o caso do Grupo Coral da Casa do Povo de Reguengos de Monsaraz (GCCPRM), considerado um dos mais antigos do País. Nasceu em 1945 e atualmente conta com cerca de 27 membros. Desde a classificação da UNESCO que se tem verificado uma grande mudança, uma dinâmica, uma presença ativa deste Grupo. Já editaram um CD, têm uma “Moda” original e novo traje.
António Jacinto Rosário e José Mendes estiveram à conversa com o nosso jornal e manifestaram de forma natural, simples mais autêntica o seu orgulho de serem membros deste Grupo e a alegria de poderem levar a voz de Reguengos e do Alentejo para lá das fronteiras do concelho.

 

Como define o Grupo Coral da Casa do Povo de Reguengos de Monsaraz?
O Grupo Coral da Casa do Povo de Reguengos de Monsaraz é um conjunto de amigos que se juntam para fazerem aquilo que mais gostam, que é “cantar à alentejana”.
Temos um ensaiador, que é o Pedro Mestre. Somos solicitados para muitas atuações, embora nem sempre possamos aceitar porque durante a semana não podemos ir, porque ninguém ganha dinheiro aqui.

Não cobram por atuação?
Não cobramos nada quando se trata de atuações em eventos públicos ou com associações, só cobramos quando se trata de atuações contratadas para eventos privados. Quando são encontros de grupos eles vêm cá e nós vamos lá sem cobrar nada. Agora se for privado, e já aconteceu tanta vez, têm que pagar. É uma ajuda para as despesas. As fardas são caras, o transporte é caro, é tudo caro.

Para ser membro do Grupo Coral da Casa do Povo tem que…
Saber cantar… (risos)

Quem quiser entrar é sempre bem-vindo, mas se não cantar ou se desafinar não se integra no grupo.
Acontece muitas vezes, virem experimentar, pessoas que estão habituadas a ir ao Cante nas tabernas e depois chegam aqui e sentem-se um bocadinho… tem que se integrar, não pode cantar sozinho, tem que se integrar com o grupo. Às vezes acontece que a pessoa vem para aqui com vontade, talvez de ter protagonismo e depois isso não acontece, por vezes vem a um ou dois ensaios e depois já não vem… mas isso é normal, acontece em todo o lado.
O Cante Alentejano é muito diferente numa taberna ou num Grupo Coral. A diferença é que os mais novos, não é fácil a gente aqui apanhá-los, não estão acostumados a este ambiente.
Não é que haja uma disciplina rígida, mas se estamos aqui vinte ou trinta a cantar, então convém aquilo sair afinado. Porque hoje em dia quem canta bem vai para as redes sociais, mas se cantar mal, também vai. Passados dois minutos já está do outro lado do mundo a ser criticado, não queremos isso.

Onde ensaiam e com que regularidade?
Ensaiamos na sede, normalmente é todas as semanas, às quartas-feiras. Se tivermos alguma atuação mais especial fazemos dois ensaios por semana, conforme é a saída. Às vezes há situações em que tem mesmos que ser e, então, fazemos dois ensaios, mas é o máximo. Também há semanas que não há ensaios, depende. Há alturas que há menos saídas, tenta-se fazer menos um bocadinho.

Como nasceu o GCCPRM?
O Grupo Coral da Casa do Povo de Reguengos de Monsaraz surgiu de dois grupos, um grupo da Aldeia de Cima e um outro do Covalinho e em 1945 juntaram-se, passou a ser só um.
A partir daí até aos dias de hoje o grupo nunca parou. Houve alturas em que tivemos menos gente, passámos por altos e baixos, como tudo na vida, mas nunca parou. Somos dos grupos mais velhos do País.
Deu um salto depois do Cante se tornar Património Mundial. Porque tivemos novo ensaiador, quase profissional, chamemos-lhe assim. Uma das pessoas que mais sabe do Cante Alentejano, o Pedro Mestre.
O grupo tem tido sempre bons “altos”, bons ensaiadores… pessoas a cantarem muito bem. Só que eram autodidatas.
O grupo não tinha ainda uma memória futura, não tinha um CD e pensou-se, nessa altura, fazer um CD para ficar para sempre. Com a ajuda dum ensaiador bom, as coisas são diferentes e o grupo tem mais visibilidade, é diferente.

Como se deu a entrada do ensaiador Pedro Mestre?
Os elementos da Direção foram convidá-lo mesmo diretamente.

Foi aqui a mudança do grupo, a atualização aos tempos de hoje?
Exatamente.
E tornar-se Património Mundial também fez esse “boom” que fez com que existisse mais interesse pelo Cante Alentejano.

E o Traje? É costume vermos algo mais rústico, mais de trabalho, cinza, preto…o vosso é castanho.
Esse era o que nós tínhamos…
Trajámos sempre com um traje de trabalho, agora usamos um traje domingueiro.
Consideramos que foi uma boa aposta, dá-nos outra imagem. A imagem é importante, hoje em dia as coisas estão a mudar tanto.
Entre todos nós escolhemos o traje. Veio aqui o senhor com as amostras e nós pensamos no castanho, por esta cor ser parecida à cor dos capotes, com a cor do campo, da terra.

O ano da Capital dos Vinhos de Portugal em Reguengos de Monsaraz trouxe muita visibilidade ao grupo. Associarem o Vinho ao Cante foi uma boa aposta. Concorda?
Concordo claro.
A nossa “moda” principal, que é uma moda inédita feita por Manuel Sérgio que fez a letra e o Pedro Mestre a música, fala sobre isso “Reguengos de Monsaraz Capital do Vinho, és do Vinho Capital”. Tem tudo a ver, foi um conjunto de coisas que fez dar mais alguma “pujança” ao grupo.

Deu-vos também oportunidades para cantarem com artistas bem conhecidos da música…
Isso aconteceu quase sempre, mesmo antigamente aconteceu muitas vezes cantarem connosco. Porque os artistas gostam do Cante Alentejano. Gostam de se juntar a boas vozes que há sempre nos grupos, e isso tem acontecido muito. É sempre bonito cantarmos com grandes artistas. Temos cantado com tantos…
Ainda no domingo passado, com o filho do Carlos do Carmo, na Praça. Por norma são eles que nos procuram ou quando têm alguma coisa aqui, que os trás cá.
Os que estão no CD, na “Moda do Vinho” foi diferente. Fomos nós que os convidámos para participarem e eles acederam.
Agora, cantamos aí com muitos artistas e é diferente. Ou temos espetáculos juntos e eles gostam de se juntar a nós e pronto, são muitas experiências.

A edição do CD abriu-vos muitas portas?
Tivemos um “azar”: saiu o CD começou a pandemia.
Ninguém previa.
O CD foi feito para deixar uma memória dos tempos atuais, para sempre. Nós ainda vamos explorar, talvez para o ano, a sério. Temos em mente e vontade, fazer uma nova edição e lançá-lo de outra maneira, estamos a pensar nisso. O CD é sempre uma memória.
Por exemplo, a nossa “moda” aqui no concelho passa todos os dias nas rádios, duas e três vezes. Fica no ouvido, é importante.
Até as crianças, toda a gente gosta de ouvir, se calhar aí fez algum efeito, digo eu.
Não conseguimos um grande impacto com o CD, mas localmente acho que se conseguiu valorizar o Cante.
Esta “moda” é uma referência que vai ficar para sempre. É um poema lindíssimo, a música é muito bonita. Vai ficar para sempre, havemos de morrer e vão ficar cá para outras pessoas prosseguirem essa história. O resto das “modas” são do cancioneiro tradicional, esta “Moda do Vinho” é nossa, é o nosso original.

O Cante Alentejano foi considerado Património Cultural e Imaterial da Humanidade. Como vê esta valorização do Cante Alentejano?
Foi muito importante para dar visibilidade ao Cante Alentejano, e deu. Deu muita visibilidade. Acho que os grupos Corais ainda mantêm o que foi tornado Património Mundial. O que é que acontece? Há muitos grupos pequenos, grupos que destorcem um bocadinho o Cante.
O Cante alentejano tem uma característica muito própria…
Ser Património, abriu-nos muitas portas, por exemplo passámos a ser solicitados para o norte do País, as Câmaras, as Instituições, considero que isto foi devido a tanta visibilidade.

Após estes oito anos de valorização do Cante Alentejano, que evolução ou alteração considera que aconteceu?
O Cante está mais moderno.
A evolução dos tempos permite esta evolução no Cante.
Há muita cantiga nova, muitos autores a fazer coisas novas.
Os grupos corais vão tentando evoluir com as raízes do antigamente, tentando fazer alguns acertos, de notas, conforme os ensaiadores que os grupos vão tendo.
Há aquela parte nova dos grupos pequenos constituídos por dois ou três que vão… dão outra forma dinâmica ao Cante. É aí que mais ou menos vemos alguma diferença. Temos também o turismo, que subiu muito e os turistas gostam muito do Cante Alentejano. Nós vamos até ali à praça, encontramo-nos dez ou doze, começamos a cantar, junta-se logo ali toda a gente que está na praça. As pessoas gostam muito.
O Cante Alentejano está mais aberto à comunidade. Canta-se mais na rua. Antigamente era mais complicado. Houve alturas em que não se podia cantar nos cafés e hoje já não é assim, mudou drasticamente. Foi uma evolução, o Cante nunca teve censura, porque falava do trabalho, do campo, das namoradas, do tempo, das cidades… é o desabafo do trabalho do campo.

Que apoios tem o Grupo Coral?
Tem o apoio da Casa do Povo e como outras Associações, temos o apoio da Câmara. Tudo o resto, somos nós que temos que arranjar.

O Grupo tem necessidade de algum apoio em particular?
Temos. Nós queríamos comprar capotes. Somos vinte e tal pessoas, os capotes custam cerca de trezentos a quatrocentos euros, não é fácil conseguir tanto dinheiro. Vamos tentar, talvez através de alguma candidatura, vamos pensar no próximo ano como vamos fazer. É um acréscimo ao traje. Fica mais bonito, faz parte da nossa terra. Precisamos sempre de apoio. Ninguém ganha aqui dinheiro, mas temos que pagar ao ensaiador, pagar os transportes, as fardas custam cerca de seiscentos euros, depois as camisas gastam-se, os almoços, outras despesas. Tudo pago pelo Grupo. Tentamos negociar para que as despesas não sejam tantas. Pedimos almoços em troca da atuação. Não é fácil para nós, nem para nenhuma Associação.

Já que falam no Associativismo, que problema identificam?
A individualização das pessoas, a recusa do compromisso. Para termos alguma coisa de jeito tem que existir trabalho, responsabilidade, nada é fácil.
As pessoas estão muito egoístas, todos nós, só olhamos para nós próprios. A pandemia não veio ajudar. Há associações que querem renovar, querem outras pessoas para as substituir e não há. Ninguém quer. Estas coisas dão trabalho, é preciso dedicação. Nós já tivemos cerca de trinta e dois elementos. Gostávamos de ter mais gente. Temos vinte sete elementos. Depois da pandemia houve grupos que ficaram reduzidos a um terço dos elementos. Houve pessoas que saíram, outros, já velhotes não quiseram mais, outos morreram. Nós também sofremos com isso. Agora temos estado a renovar. Precisamos de mais pessoas, Porquê? Quando temos trinta ou quarenta pessoas e há uma atuação, não conseguimos ir todos. Podem ir cerca de dezoito elementos. Quando temos menos elementos é mais difícil manter um grupo com condições de atuação.
Para atuarmos em palco, subimos no mínimo com quinze a dezoito elementos, mas sempre com “Pontos” e “Altos” (tipos de voz). Se for informalmente de dez a doze homens já podem sair, mas sempre com “Ponto” e “Alto”, se não tivermos, não saímos.

Este ano o Agrupamento de Escolas de Reguengos de Monsaraz tem um projeto que passa pelo ensino do Cante nas escolas. Como tem sido esta experiência?
Tem sido muito engraçado, uma experiência maravilhosa (muitos risos)
Nós fazemos as escolas de Reguengos, Campinho, S. Marcos e Perolivas. O Grupo de Monsaraz trabalha nas restantes escolas do concelho.
Os “gaiatos” assim que nos veem correm para nós, é uma alegria. Há alguns que se “ajeitam” no Cante. Já tivemos umas experiências com eles, nas férias. É uma oportunidade para a continuação do Cante Alentejano. Trabalhamos com os mais pequenos, é uma animação, eles gostam de cantar e aprendem rápido.
Consideramos que é uma semente que estamos a plantar, um dia irá crescer.
O horário é o mais complicado, para nós, mas tentamos ir sempre três ou quatro elementos para se conseguir trabalhar (risos de entusiasmo). Vai dar frutos. Tem sido muito bonito. Temos uma nova noção das escolas, pensávamos que havia numas escolas muitas crianças, mas afinal só há quatro ou cinco, noutras sete ou oito. É uma troca de experiências muito interessante.

Que objetivos tem o grupo para os tempos mais próximos?
Queremos lançar o CD e o grupo após pandemia. Temos conseguido chegar à comunicação social, em bons programas e em horários nobres. O Grupo tem sido muito solicitado. Vamos continuar esse trabalho. Queremos muitas atuações, para o próximo ano. Pretendemos fazer, aqui na nossa sede, a Casa do Cante, para que, entrando no circuito turístico dos hotéis, termos aqui visitas duas vezes por mês.
Se os agentes turísticos souberem que estamos aqui a cantar podem orientar os turistas para nos visitarem. Até para conseguirmos arranjar mais algum dinheiro. É este o nosso objetivo.
Temos que reunir todas as vontades para conseguirmos concretizar este projeto. Já temos autorização da Casa do Povo.
Muitas noites, quando ensaiamos, ouvimos as palmas na rua e são grupos de turistas italianos, alemães, outros. Gostam muito de nos ouvir.

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