jornalpalavra

jornalpalavra

O novo Plano Ferroviário Nacional

Na primavera de 2021 o governo anunciou, por um seu ministro muito palavroso, mais uma das habituais promessas, relativa a ramais ferroviários, para serem efetivadas num futuro em que já toda a gente as esqueceu. O ministro por acaso já não o é pois teve de se demitir por mais uma das suas impertinencias. Meses depois, foi publicado um despacho (n.º 6460/2021, de 1 de julho, DR n.º 126/2021, de 2021-07-01) assinado, curiosamente, por outro ministro também já demitido, o então Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro de Matos Fernandes, e pelo já referido Ministro, das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno de Oliveira Santos.
Pelo documento se determinava a elaboração de um Plano Ferroviário Nacional (PFN), criando para tal um “grupo de trabalho, com a finalidade de definir a rede ferroviária que assegura as comunicações de interesse nacional e internacional”. Mais um grupo de trabalho, como sempre acontece nas questões que se pretendem atirar para a frente com a barriga. Diz ainda o despacho que se pretende “planear uma rede ferroviária para um horizonte de médio e longo prazo que permita ao caminho-de-ferro afirmar-se como um modo de transporte de elevada capacidade e sustentabilidade ambiental; Assegurar uma cobertura adequada do território e a ligação dos centros urbanos mais relevantes, bem como as ligações transfronteiriças ibéricas e a integração na rede transeuropeia. O prazo estabelecido para a elaboração do PFN foi fixado em 12 meses, prorrogável por uma vez, por igual período. O plano foi apresentado a 17 de novembro de 2022, e pretendia ser um documento estratégico para ser executado até 2050, independentemente dos ciclos políticos.
Ora, o surpreendente desta estratégia, é o facto de se querer criar uma coisa que já existia, e que foi extinguida pelos próprios. Mais um dos contributos dos socialistas para o desenvolvimento do País que não passam de anúncios com a pompa do costume, mas sem qualquer efeito futuro. Só para relembrar, um desses anúncios de estado foi feito em Monsaraz numa tenda transparente com vista para o chamado “grande lago”, a anunciar um porvir risonho de grande impacto no turístico local com milhares de empregos e enorme desenvolvimento. Não se concretizou.
O objectivo do PFN é voltar quase 100 anos no tempo, refazendo as ligações, desmanteladas na década de 1980/90, entre quase todas as capitais de distrito. Foi, de facto, um governo chefiado por Mário Soares que liquidou a rede ferroviária do tempo da ditadura, desativando milhares de kms de ramais que ligavam o interior do País entre si e ao litoral. Os amarelentos mapas da rede existiam nas escolas primárias, pendurados num prego mesmo ao lado das fotografias a preto e branco do Salazar e do Thomaz, e todos os alunos tinham de saber as linhas, ramais e apeadeiros de cor.
Enquanto por todo o mundo moderno e evoluído se construíam e modernizava as redes de comboios, Portugal, aproveitando os apoios europeus, foi encerrando linhas e estações por todo o lado, para promover a construção de estradas e autoestradas, a maior parte delas hoje desertas e inúteis porque a rede foi mal planeada. A estrutura, que funcionava e era fundamental para o dia a dia do país, e que foi consolidação em mais de 6 décadas, foi substituída pela nova solução. Betão versus caminho de ferro. Muitas empresas de construção se encheram com o dinheiro que escorria em rios vindo da Europa a fundo perdido. Parte dele foi redistribuído em duvidosas redes de interesses. Foi o fim da rede ferroviária, que hoje podia estar electrificação em alternativa ao transporte em autocarro e camião, reduzindo assim o consumo de combustíveis fosseis. Quanto às antigas linhas, estações e apeadeiros, ficaram a apodrecer, com muitas ideias, mas nenhuma concretização.
Foi assim que se destruiu a nossa rede ferroviária que agora querem “planear”. As velhas linhas cobertas de silvas e as estações em ruína, que custaram muito dinheiro ao país, estão aí, ainda abandonadas, para demonstrar como se “planeia” em Portugal. Os milhões de milhões que têm sido enviados, às pazadas, para o desenvolvimento do interior desde então, salvo raríssimas excepções, foram na sua maioria esturrados em obras desnecessárias como rotundas, circulares, fontes luminosas, campos de futebol sem clubes nem formação, cinemas sem filmes, bibliotecas sem livros e centros culturais sem cultura, e outras obras desintegradas de qualquer politica pensada a sério, muitas delas também já abandonadas. Foram obras pensadas apenas para ganhar eleições e para deixar alguns nomes em placas. Os Portugueses adoram ser enganados.
Reguengos de Monsaraz foi uma das vilas que perdeu por essa altura o seu ramal de comboio que ligava à sede de distrito – Évora – em troca de nada. Foi um dos contributos dos autarcas socialistas que em tempo de aniversários partidários se autocondecoraram uns aos outros, como costumam fazer os que mais mal fazem ao país e à causa pública. Em troca dos carris e do encerro do ramal, vieram para este fim do mundo encurralado contra a fronteira, uns cheques para pagar umas dividas, e nem uma estrada decente fizeram para ir para qualquer lado que fosse, quanto mais para a sede do distrito. Fomos, a cada ano, ficando mais longe do mundo. A única melhoria foi um bocadinho da estrada para Évora, e uma nova ponte sobre o Degebe, apenas porque já era vergonhoso que no séc. XXI houvesse ainda uma parte da via onde só cabia uma viatura de cada vez, como há 100 anos, quando ainda não havia automóveis. A obra foi feita pelo município de Évora. A única intervenção do município de Reguengos foi a de o autarca local, em boa hora desaparecido da terra, ter insistido em ficar na fotografia e em bicos de pés, como de costume. O poder em Portugal sempre foi inculto, arrogante e ineficaz. Tenhamos, portanto, medo do novo plano do ex-ministro que já demonstrou a sua especial habilidade a destruir transportes públicos. Quem já se escaldou, até os gaspachos assopra. O prazo para a comissão se sábios foi dilatado, como previsto, e o período de consulta publica terminou em finais de Fevereiro de 2023. A ver vamos o que dali sai.◄

 

  • Publicado no Jornal PALAVRA, edição de março de 2023

Autor