Comandante Francisco Batista, há seis meses à frente da Corporação dos Bombeiros Voluntários de Reguengos de Monsaraz, fala sobre a situação atual, desde a realidade diária dos Bombeiros, fardamento, veículos disponíveis, planos de segurança, resposta dos serviços de saúde, o aumento do turismo no concelho, da resposta do governo aos Bombeiros e da colaboração da população de Reguengos de Monsaraz. Francisco Batista é o primeiro comandante a ser escolhido pelo corpo ativo da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Reguengos de Monsaraz.
Que balanço faz destes seis meses à frente do BVRM?
Em termos de serviço não é o desejado mas é o possível. Mensalmente temos conseguido superar as dificuldades e os problemas que vamos encontrando. Quando cheguei, como comandante, tinha pessoal com falta de formação, não tínhamos fardamento para o pessoal. Considero que o corpo de bombeiros estava um pouco desmotivado e a pouco e pouco vamos tentando ultrapassar essa questão.
Em questão de prestação de serviços, no ano passado estávamos a negar serviços de emergência médica, diariamente, dois a três por dia. Hoje são esses os valores que fazemos de recusas mensais. O que nos garante uma capacidade de resposta de emergência médica muito superior à que tínhamos.
Desde o dia 1 de julho iniciámos com a segunda equipa de intervenção permanente (EIP). Veio dar-nos outras garantias, ou seja, temos dez homens num período crítica entre as 11h00 e as 17h00. É o horário mais difícil de responder a solicitações e assim conseguimos ultrapassar. Temos ainda no período noturno uma equipa de sete elementos que fazem parte do dispositivo de combate a incêndios e ao fim de semana mantemos esta mesma equipa de sete homens, 24 horas. Estas equipas são pagas pela Autoridade Nacional de Emergência. A par disto, ao fim de semana temos quatro a cinco elementos voluntários que, despendem do tempo deles para a população e graças ao esforço deles conseguimos ultrapassar muita problemas.
Em relação ao Corpo Ativo, o que seria necessário para inverter o quadro de desmotivação que assinalou?
Como são postos de trabalho, neste momento temos que lhes dar condições para trabalhar e é nesse sentido que vai o nosso empenho. Vamos dando formação, equipamentos, as ferramentas para eles trabalharem. Vamos sempre tentando melhorar. Também lhe damos liberdade para eles fazerem coisas, terem iniciativa, eles sabem o que têm para fazer, é por aí que vamos motivando.
A falta de voluntários tem origem nesta desmotivação?
Isso tem a ver com a sociedade em que estamos inseridos. A mentalidade não está virada para aqui. Se a mentalidade das pessoas estivesse virada para os bombeiros, para o voluntariado, talvez tivéssemos miúdos a entrarem com 13 e 14 anos, e não temos.
O que se pode fazer?
É difícil. Por exemplo, nós temos a fanfarra. Dos miúdos que lá estavam no ano passado fui buscar onze. Cinco possivelmente vão garantir o sucesso na formação para bombeiro, os outros cinco desistiram, simplesmente. Ou seja, não conseguimos incutir-lhes o espírito do voluntariado, mesmo de bombeiro, não têm essa responsabilidade, não querem fazer esse esforço e preferem só a fanfarra. Tudo bem. Ficamos limitados por aí. Gostava que fosse duas ou três vezes mais o número de jovens, mas não se consegue.
A Fanfarra pode ser uma forma de atração para o voluntariado?
Sem dúvida! Mas mesmo assim, este ano tivemos de duas a três entradas, com miúdos, relativamente novos, que não conseguem ainda entrar para cadetes ou estagiários. Só aos 14 anos, os que entraram têm 7 anos.
Uma das iniciativas da Associação Humanitária é a divulgação, nas redes sociais, das atividades dos bombeiros. Membros do corpo ativo, salientaram que é um reconhecimento do trabalho realizado. É esse o objetivo?
Nós utilizamos as ferramentas disponíveis para promover o trabalho que eles fazem, cá dentro. Por exemplo, a preparação física é fundamental, já lhes disse muitas vezes a eles, que no exercício das funções a preparação física faz a diferença. Nota-se muito no desempenho de funções, conseguem recuperar muito melhor. O bem-estar físico condiciona o bem-estar psicológico.
Decorre, neste momento, uma campanha solidária de oferta de garrafas de água e iniciativas desportivas que contribuem na íntegra para a Associação. Quais são as reais necessidades da corporação que cidadão comum precisa de saber?
Neste momento a corporação precisa de carros novos para combate, de reparação para outros carros, de fardamento e verba para formação.
Os carros que da corporação têm mais de 20 anos e estão a precisar mesmo de reparações. Precisamos de uma ambulância para prestar socorro à população, porque presentemente temos o INEM e mais duas, para fazermos as reservas. Por vezes, negamos o serviço de emergência médica porque não temos viaturas para a fazer. Temos pessoal, não temos viatura.
Os EPI’s Urbanos já não dão as mesmas garantias de segurança de como eram em novos, porque já foram lavados. Estamos a falar de quase 500 euros cada equipamento.
Quando chegámos também não tínhamos aparelhos respiratórios para aproximação a incêndios urbanos, para andarem em ambiente de ar não respirável, estava tudo caducado. Hoje já temos cinco, já conseguimos fazer a 1ª intervenção descansados.
Perdeu-se a manutenção dos equipamentos, das viaturas, do quartel, estamos a recuperar isso, com o tempo. Por isso é que digo: temos o possível, não o desejável. Desejável é ter tudo num brinco, passarmos uma imagem excelente, em termos de fardamento, para identificar a corporação, porque os bombeiros andam bem apresentados. Para o ano, prevejo ter já outro tipo de discurso.
Estas necessidades rondam que valores?
Um veículo de combate a incêndios anda à volta de duzentos e tal mil euros e uma ambulância de socorro vai no máximo a 75 a 80 mil euros.
Em relação ao fardamento, no ano passado pedimos um orçamento para toda a corporação e para ficarmos com algumas peças em stock, de maior desgaste. Deram-nos o valor de 25 mil euros.
Não falamos em EPI’s Florestais, nem em EPI’s Urbanos, mas também temos necessidade disso …É tudo suportado pela Associação Humanitárias dos Bombeiros. Um EPI Florestal completo anda nos 240euros. Nós não temos capacidade para adquirir tudo isto.
Todos os anos vamos comprando quatro, cinco. O pessoal, por vezes chega ao pé de mim e diz: “tenho umas caças rotas e tenho que lhe dizer: aguenta lá mais um ou dois dias, pode ser que consigamos comprar. Não é fácil.
Hoje andamos com T-shirts azuis, perguntam-nos porque “deixaram de usar o polo vermelho, porque andam com uma T-shirt azul?”
Com o dinheiro de dois polos, conseguimos comprar três t-shirts e posso dar mais uma t-shirt a cada um e isto é roupa de muito desgaste. É a farda nº 3 da norma existente que, tentamos cumprir.
O que é preciso mudar?
Mentalidades. A mentalidade do bombeiro tem que mudar. Um bombeiro não pode só vestir a farda e dizer que é bombeiro. Somos bombeiros 24 horas por dia, tem que se mostrar disponível, tem que saber que a profissão é esta, temos que dar sempre o nosso pelo o dos outros, o nosso tempo, a nossa família, o nosso espaço. Fico triste, mas não vejo este espirito nos jovens de hoje.
Ser bombeiro pode ser uma carreira para a vida?
Sim, mas não é aliciante, não é profissional. Se falássemos em bombeiros profissionais, se calhar era uma carreira aliciante, porque aí temos progressão, temos vencimento certo, fazemos o que gostamos. Porque só vem para aqui quem gosta, mas na realidade não é assim. As pessoas vêm para aqui e nada é aliciante.
Como se pode mudar esta situação?
Profissionalizar os Bombeiros. Não acabando com o voluntariado, mas eramos bombeiros profissionais, até como municipais. Era o princípio. Como é a GNR, a PSP, honestamente tinha que ser assim, mas a nível nacional, não era só aqui. Começávamos a ter orçamentos próprios, uma progressão na carreira certa, com os requisitos certos e o socorro e a população ficavam todos a ganhar, sendo tudo profissional.
Isso não está em cima da mesa de discussão, pois não?
É muito difícil. É preciso um suporte financeiro que o Estado tinha que fazer, nas Autarquias, para estas começarem nos Corpos de Bombeiros. Presentemente não vejo isso possível, principalmente no nosso concelho. Está fora de questão.
Enquanto Comandante da Corporação de Reguengos de Monsaraz, quais as suas preocupações, para o socorro e emergências no concelho?
A renovação da frota é uma urgência. Bastava mais uma ambulância de socorro e conseguíamos dar resposta. A emergência médica é imprevisível, como todo o serviço que fazemos.
Há momentos que não temos nada e por vezes surgem quatro a cinco emergências médicas, como é que temos capacidade? E depois há uma coisa que me assusta no nosso concelho, são as excursões. O nosso concelho é muito frequentado a nível turístico, por excursões viagens, turismo em massa, Que capacidade temos nós, até a nível de plano de água, para prestar socorro?!
A nível rodoviário, se surgir um acidente, que capacidade temos nós para socorrer? Tenho que pensar nisto.
Amanhã há um acidente com um autocarro, tenho que pensar quais são os meios que vão para lá e o que tenho à minha disponibilidade, no meu concelho.
Antes de começarem a vender o concelho deviam ter criado estruturas para darem resposta àquilo que queriam.
Temos os hotéis cheios. Que carros urbanos de combate a incêndios temos? Não temos. As coisas foram mal projetadas. Nós temos turismo de massas, muita procura. Ao fim de semana chega ao nosso concelho um número incalculável de pessoas. E nós não temos condições de lhes garantir o primeiro socorro, o auxílio, não temos capacidade, estamos limitados, em termos de pessoas e de equipamentos. Há um evento qualquer no plano da água, aqui no nosso concelho. Que capacidade temos nós para prestar auxílio?
Há um barco que se incendeia. Há algum projeto de segurança para isso? Alguém pensou em criar um projeto de segurança de 1ª intervenção? A nível de Municípios, ninguém se preocupa e depois ligam-nos: “Está um barco a arder!” E se tiver lá vítimas? Chegamos e fazemos o quê?
Quais são corpos de bombeiros, com barcos que conseguem sair ao minuto?
Estamos a falar de voluntários. Eu posso ligar ao “João”, podes vir? E ele diz-me que não consegue vir. É voluntário. Pode acontecer. Entendo que a questão da segurança tem de ser pensada muito seriamente.
Depois temos o Centro de Saúde. Muitas pessoas que nos visitam já tem uma certa idade, têm que ter alguma qualidade na prestação de socorro, em termos de saúde. Por vezes surge uma quebra de tensão, uma glicemia que sobe, coisas mínimas que se podiam resolver num Centro de Saúde, mas não, o Centro de Saúde de Reguengos não tem capacidade para isso. Qualquer situação vai para Évora. A partir daí falamos no mínimo de 2 horas. Quando chegamos a Évora precisamos passar o doente e não há macas disponíveis, temos que esperar. As duas horas passam a quatro ou cinco. Ou seja, o nosso concelho fica para traz, porque não conseguimos auxiliar sem ambulâncias e sem pessoal.
Como quer ver a Corporação de Bombeiros daqui por 10 anos?
Tudo profissionalizado. Tudo a trabalhar por piquetes profissionais. Equipa só para transporte de doentes e tudo o que é socorro, é profissional na sua função. 24 sob 24 horas, três a quatro turnos, com equipas especializadas para a 1ª intervenção, para tudo o que possa acontecer.
Criação de equipas multidisciplinares para dar resposta a todo o socorro. Isto seria a cereja no topo do bolo. Com viaturas próprias, pessoal com formação, bem fardados. Era uma imagem porreira! (sorri com esperança no olhar). Trabalhamos para isso todos os dias, só que não depende só de nós. A profissionalização tem que vir de outras instâncias. ◄
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