“Todos, todos, todos” os que quiseram começaram cedo a preparar-se para participar nas Jornadas Mundiais da Juventude que se celebraram de 1 a 6 de agosto em Lisboa. Há os da primeira hora que fizeram um percurso longo de preparação espiritual, angariaram fundos para suportar as despesas, trabalharam em grupo, criaram relações e procuraram conhecer tudo o que havia para viver em Lisboa nesta semana de festa juvenil. Há os da última hora que, apressadamente, juntaram meia dúzia de Tshit’s e puseram-se a caminho. Muitos iam pela primeira vez e não faziam ideia do que os esperava, outros, já experientes, sabiam para o que iam. Todos, todos, todos, fizeram a JMJ Lisboa transformar-se num êxito.
No início havia alguma desconfiança, ceticismo, reserva e timidez. Poderá ser verdade o que dizem aqueles que já participaram em outras jornadas? Talvez não seja tão bom como dizem nem uma experiência como a que tivemos no MEO Sudoeste ou no Super Bock Super Rock ou no último concerto de Harry Styles. Vamos dormir numa escola, no chão e sem água quente nos banhos? E alguns temos que ir dormir a casa de estranhos. Não é tudo isto contrário ao que estou acostumado?
A chegada ao Carregado, a mochila às costas, o check in, o encontro com o diretor do Agrupamento de Escolas, a escolha de um canto para dormir, a saída com uma família estranha para conhecer a casa… pouco a pouco, entre gargalhadas e comentários jocosos próprios do nervosismo de quem está a ambientar-se, dissipam as dúvidas e revelam a possibilidade de ser feliz ali mesmo, naquelas condições.
Código QR nas mãos e caminho longo, a pé até ao McDonald’s para a primeira experiência de uma refeição em ambiente JMJ. E já tarda para uma ida a Lisboa, o destino final da caminhada. Lisboa está cheia de gente. A JMJ começa neste 1 de agosto, mas o Papa só vem amanhã. O primeiro passeio livre, para ver Lisboa, falou alto sobre o que viria nos dias seguintes. Jovens a cantar em todas as ruas, nas estações, nos comboios e no Metro. O céu cheio de bandeiras a voar, gente de todas as cores, manifestações de todas as culturas, olhares amigos, transparentes, cheios de vida e alegria.
O Papa Francisco chega ao aeroporto e a televisão do pequeno café atrai o olhar de todos os presentes ao ponto de o empregado se esquecer de tirar os cafés. Era tempo de catequeses, e Lisboa nos espera de novo para mais umas descobertas, para continuar a dizer “Reguengos” e a cantar os nossos cânticos em coro alternado com todos, nas diversas línguas, com os espanhóis a cantar mais alto que todos.
Regressámos a casa depois de um banho de multidão, os primeiros apertos no Metro e no Comboio, alguma ansiedade e muito calor. Amanhã chega o Papa e temos que ir recebê-lo, se possível na primeira fila.
Regresso a Lisboa logo pela manhã na esperança de encontrar um lugar tranquilo para ver passar o sucessor de Pedro. Os atrasos no almoço, a dificuldade de nos reencontrarmos em grupo e de entrar depois de passar pela segurança apertada, leva-nos até ao Marquês. Ali ficamos na esperança de poder ver o Papa Francisco passar e ele passou, mas os nossos olhos não conseguiram vê-lo do meio da multidão. Faltou-nos ali um sicómoro que tanto jeito deu ao Zaqueu para ver Jesus.
A música que vem do palco concentra os olhares na cadeira vazia até que surge, numa cadeira de rodas, aquele que os olhos desejam ver. Vemos no ecrã gigante que está à nossa frente. E escutamos: “Bem-vindos! Bem-vindos e obrigado por estardes aqui”. Foi a loucura, era mesmo o Papa. “Vós não estais aqui por acaso. O Senhor chamou-vos, não só nestes dias, mas desde o início dos vossos dias. Chamou-vos pelos vossos nomes”. A alegria aumenta com o reconhecimento de ser chamado e amado por Deus. “A Igreja é a comunidade dos que são chamados. Somos chamados como somos, com os problemas que temos, com as limitações que temos, com a nossa alegria transbordante, com a nossa vontade de sermos melhores, com a nossa vontade de vencer”. E fica a ecoar em nós o som das palavras “Jesus nunca fecha a porta, nunca. Convida-me a entrar”.
Soube a pouco, porque foi pouco o tempo do encontro e porque os nossos olhos não viram. Amanhã estabelecemos outra estratégia. Temos que ver o Papa Francisco durante a Via Sacra.
Que via Sacra aquela que entrou pelos olhos, pelos ouvidos, no coração, na mente, na alma. Foi brutal. Mas vamos ao início. Levantar cedo, sair cedo, correr, apressadamente, diretos ao Parque Eduardo VII. À chegada está um pequeno grupo sentado junto das grades de entrada onde seria feita a revista aos peregrinos para garantir a segurança. Boa! Somos dos primeiros. Vamos remoer as palavras proferidas pelo Papa no dia anterior, para centrar a nossa atenção no essencial. Depois, almoço, a maioria prefere uma pizza, e abrem-se as portas. Entramos. Subimos a parte central do parque e conseguimos um lugar de grande visibilidade. O palco, enorme, abria-se diante dos nossos olhos confundindo-se com o azul do céu.
O Papa Francisco, via-se nos ecrãs, já iniciou a volta ao recinto a saudar a todos pelo caminho. Entra no Parque Eduardo VII e levantam-se as bandeiras e as vozes. Vemos o Papa ali tão perto a dizer “a cruz é o sentido maior do maior amor, daquele amor com que Jesus quer abraçar a nossa vida” e continua com a pergunta “Choro eu de vez em quando? Há coisas na vida que me fazem chorar? Todos nós já chorámos e continuamos a chorar. Nesses momentos Jesus está connosco. Ele chora connosco, porque nos acompanha na escuridão que nos faz chorar”
Depois sim, a via sacra, um jogo de movimentos, palavras e música que nos transporta para a realidade da vida de muitos, de todos, de gente real, na verdade das opções de cada um, no drama das decisões do poder, na desgraça da violência e da intolerância. Ficou dentro de nós para sempre esta experiência que continua a repetir-se dia a dia em muitos lugares do mundo. Homens em via sacra.
O coração nesse dia não quer dormir.
Uma longa caminhada nos espera com toda a espécie de peripécias, encontros e desencontros, enganos, procura do caminho certo até chegar ao setor azul C02. Chegámos pelo meio dia, um sol escaldante sufoca a respiração. Nenhuma água é suficiente. Saco cama no chão para marcar território e, claro, para dormir que o descanso é importante.
Pelo início da noite chega o Papa Francisco. Depois de percorrer alguns setores do Campo da Graça, sobe ao altar para dizer “dá-me tanta alegria ver-vos” e lembra o exemplo de Maria que, estando grávida como Isabel, não pensa em si mesma mas na prima e vai ao seu encontro transportando a razão da alegria e recorda, “porque a alegria é missionária”, “a alegria não está fechada na biblioteca, é preciso procura-la, descobri-la no diálogo com os outros”.
Procurar cansa, diz o Papa, e quem procura às vezes cai e o que há a fazer é levantar-se. “não ficar caído; e treinar-me, treinar-me a caminhar. E isto é possível não porque fizemos um curso para aprender a caminhar. Não há cursos para aprender a caminhar na vida. Aprendemo-lo dos pais, dos avós”.
Cai a noite e surge o último dia que desperta com o DJ do Senhor.
É o dia da despedida, do envio, do anúncio da próxima jornada. A Missa obriga a continuar o silêncio da adoração da noite anterior.
Espera-se a última palavra do Papa Francisco que é evangelho de Jesus, o evangelho que viemos procurar. E o Papa recorda que é preciso resplandecer. Precisamos da luz que ilumina as nossas noites, mas essa luz não é a da perfeição que exibimos quando estamos fortes e bem-sucedidos. “Não te deixes enganar… tornar-te-ás luz no dia em que fizeres obras de amor”.
Precisamos de ouvir, escutar Jesus, “para não nos enganarmos no caminho”. E, finalmente, “não termos medo”. Vencer o medo foi a palavra mais repetida pelo Papa Francisco durante toda a JMJ Lisboa 2023.
Daqui a quatro anos encontramo-nos em Seul.
Almoçamos, fazemos muitos quilómetros a pé, e regressamos a casa de coração cheio.
Durante a JMJ Lisboa, fomos orientados pelas palavras do Papa e pelas indicações da Margarida que não se cansou nunca de dizer: “atenção malta! Sair do comboio: Gare do Oriente trocar para Metro, direção a S. Sebastião e sair no Saldanha”. Obrigado Margarida. ◄
Mais Noticías
Victor Martelo publica livro de memórias
São Marcos do Campo em Festa
14 a 21 de abril: Semana de Oração pelas Vocações