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“Tornei-me ilustradora porque não consegui ser fada”

Fascinada por histórias e por mundos fantásticos desde pequenina, Carla Antunes apaixonou-se pela paisagem alentejana logo na primeira travessia rumo ao Algarve e por Monsaraz na primeira visita da qual recorda ainda o lombinho grelhado que a deliciou ao almoço. As memórias de infância trouxeram-na de volta ao Alentejo, estando hoje radicada no concelho de Reguengos de Monsaraz.
Carla Antunes nasceu em Lisboa em 1974, pouco antes da revolução dos cravos. Em 1997, iniciou o seu percurso como ilustradora de livros escolares e de literatura infantil para várias editoras. Em 2006, escreve e ilustra o seu primeiro livro “Anjos” e propõe a sua edição à editora Nova Gaia, que o lança em Outubro do mesmo ano, esgotando-o em Dezembro.
A partir desta altura, passou a desenvolver os seus próprios projetos editoriais, tendo lançado o livro “Sara, Tomé e o Boneco de Neve” – que consta no Plano Nacional de Leitura -, a coleção de quatro livros de atividades “Piquiti”, “O Monstro das Festinhas”, “A Bênção dos Anjos” e, mais recentemente, “A Bruxa Zézinha”. Atualmente dedica o seu tempo à editora “Luminaris” que, entretanto, fundou. E em parceria com escolas e bibliotecas (sendo madrinha de três bibliotecas escolares) continua a promover o livro, a leitura e a ilustração – a sua maior paixão.
Vive num monte, numa casinha toda enfeitada com luzinhas e cheinha de livros, lápis de cor, aguarelas, lápis de cera… Adora desenhar e pintar, ler, estar na roda a fazer peças de cerâmica, brincar dentro de água, cozinhar e tratar da horta.

 

1. Nasceu em Lisboa, facto que obriga a perguntar, porquê, agora, escolher o Alentejo e o concelho de Reguengos para viver?
Bom, já resido há alguns anos aqui no concelho… De forma mais permanente desde 2016, mas vim para cá em setembro de 2010.
O porquê é fácil, amo o Alentejo e sou apaixonada por Monsaraz. Não se explica. Há sítios assim, que chamam por nós.
Lembro-me da primeira vez que passei no Alentejo, tinha 9 anos e ia a caminho do Algarve para passar férias e toda a paisagem ficou gravada em mim.
Não sei em que ano vim pela 1ª vez a Monsaraz… ia a caminho de Barrancos e parámos para almoçar lá, num restaurante que infelizmente já não existe e onde durante anos comia os melhores lombinhos grelhados que comi até hoje. Ainda não havia Alqueva, nem se ouvia falar no projeto. Depois disso, voltei sempre que pude.

2. Tem já no seu currículo uma vasta colaboração em jornais, revistas e também em livros. Fale-nos dessa sua atividade.
Em 1997, iniciei o meu percurso como ilustradora de livros escolares e de literatura infantil para várias editoras, como a Editorial O Livro, Nova Gaia, Editorial Verbo e Soregra. Paralelamente, colaborei assiduamente na revista Pais & Filhos durante 20 anos e no suplemento infantil “Terra do Nunca”, do Diário de Notícias.
As minhas ilustrações também marcaram presença noutras publicações como o Jornal Independente, a Revista X, Super Jovem, entre outras.
Mas o trabalho de ilustrador pode ir além de livros e revistas. Em parceria com a KStationary e a Majora, desenvolvi linhas de artigos escolares que resultaram numa coleção de peluches e vários jogos.

3. Como nasceu o interesse pela escrita e pela ilustração?
Costumo dizer meio a brincar, meio a sério, que tornei-me ilustradora porque não consegui ser fada. Sempre gostei de desenhar e, desde que me lembro, sou fascinada por histórias. Quando aos 13 anos percebi que havia uma profissão em que eu podia passar o tempo todo a ler histórias e a fazer desenhos, pensei: “É isto que eu quero fazer!”
A escrita veio mais tarde… muito mais tarde. E surgiu porque apercebi-me que tinha histórias para contar, mas que estavam apenas em imagens, na minha cabeça, e resolvi acrescentar-lhes a palavra.

4. Dedica-se particularmente à ilustração de livros infantis. Algum motivo em particular?
Fazem-me muitas vezes essa pergunta, e a verdade, é que eu ilustro e escrevo aquilo que me apetece… não estou a pensar para quem é dirigido …. É a minha linguagem mais visível. Talvez seja apenas uma forma de se manifestar a minha criança interior. Não sei!

5. Depois do primeiro livro lançado em 2006, decidiu avançar com projetos próprios. Este projeto conta com a publicação de vários livros infantis. Fale-nos dos seus livros.
O livro “Anjos” foi o primeiro e está agora editado pela Luminaris. Os meus livros vão surgindo, isto é, não me sento a desenhar ou a escrever, com uma ideia para fazer um livro. O livro dos Anjos foi construído ao longo de 2 anos no meu caderno de esboços. Ora me surgiam imagens de Anjos, ora me surgiam frases, e eu apontava e desenhava tudo. Como faço ainda hoje. E ao fim desses 2 anos, ao folhear o caderno de esboços, percebi que tinha uma história! E foi assim que em 2006 os” Anjos” surgiram.
Depois veio “Sara, Tomé e o Boneco de Neve”, que foi uma história que criei só com imagens e depois de ter os esboços todos feitos, é que escrevi. A história veio de rompante. Entre esboços e escrita devo ter demorado uns 5 dias. O livro seguinte foi o “Monstro das festinhas” que também foi escrito num piscar de olhos. Este livro surgiu porque o meu marido certa vez disse-me que assim como havia o Monstro das Bolachas, eu era o Monstro das festinhas! É um livro de afetos.
Depois veio a coleção Piquiti, que eram uns Livros de exercícios para o pré-escolar e o 1º ano. Um deles, o de grafismos, foi construído a partir também de uma história que inventei: “Pirolito e Botãozinho”. Após este, surgiu a “Bruxa Zezinha”, um livro que comecei a escrever e que, quando faltavam 3 capítulos para terminar, parei. Este livro esteve 7 anos para nascer e antes dele veio “A Bênção dos Anjos” um Livro que é uma oração que eu escrevi para os meus amigos.
As coisas levam o tempo que têm de levar, não adianta querer apressar. Esses 7 anos de interregno de livros foi o tempo que precisei para tomar uma série de decisões na minha vida e para decidir criar a Luminaris Edições. Sendo apaixonada por Monsaraz, fazia todo o sentido que a editora fosse criada aqui, no nosso concelho. Assim, “A Bênção dos Anjos” e “A Bruxa Zezinha” foram dos primeiros filhos da Luminaris, juntamente com os “Anjos”, os quais tinha acabado de reaver os direitos de Autor.
Entretanto vieram novos projetos e parcerias. Um com a Daniela Marto, Ligado ao Mindful e à meditação e que segue muito a minha visão holística da vida. Desta parceria nasceram “Um mês Mindful” e “Meditar e Crescer”. Outro projeto foi com a Ana Borda d’Agua, ligado à aprendizagem da escrita e da leitura. Este é um projeto que nasceu da experiência da professora Ana Borda d’Agua e da minha enorme vontade de fazer “O Livro” que eu gostava de ter tido no 1º ano do ensino primário.

6. Há um livro que desperta particular interesse “ler com poucas letras”. Quer explicar-nos como surgiu esta ideia e qual a finalidade principal deste livro?
Na realidade, o “Ler com poucas letras” é um projeto que é composto por três livros.
Ele foi pensado e concebido com o objetivo de promover nas crianças o gosto pela leitura e pela escrita. São livros inovadores, na medida em que permitem que a criança consiga realizar qualquer tarefa proposta de forma autónoma, confiante e tranquila.
É um projeto ambicioso porque, através da ilustração e textos significativos, aposta numa mudança de atitude naqueles que possam vir a ter dificuldades a ler e a escrever, e porque, com ajuda de pais, professores e educadores, pode ainda constituir uma ferramenta útil na prevenção de situações de frustração, tão prejudiciais ao desenvolvimento harmonioso da criança.
São muitos os testemunhos de pais e professores relativamente a este projeto. Não passa uma semana em que na editora não receba um e-mail de agradecimento. Mas para mim, o melhor testemunho que tenho tido relativamente aos livros, é de professores espantados porque os seus alunos querem levar o livro para o recreio.

7. Que pensa do ensino em Portugal?
Só posso falar do ensino básico, que é aquele com que lido com proximidade…
Penso mal! Penso que é um ensino com demasiados conteúdos e com pouco tempo para solidificação da matéria. E um ensino com pouco espaço para a criança desenvolver a sua parte criativa e artística.
Penso também que temos professores cansados e frustrados, sobretudo porque deixaram de ter autoridade.

8. É verdade que em Portugal se lê pouco? Sente isso como uma verdade? E os jovens? Se sim, como reverter a situação?
Sim. Lê-se mesmo muito pouco!
Não tenho nenhuma ideia de como reverter a situação. Penso que a única forma é fazer com que as crianças (pequeninas e grandes) se apaixonem pelos livros… Não acredito quando alguém me diz que não gosta de ler. Respondo sempre que ainda não encontrou foi o livro certo. E é nisso que acredito.
Penso também, que até aos 9 anos de idade, a ilustração de um livro pode ter um papel preponderante na aproximação da criança ao livro.
Um dia, gostava de fazer uma experiência com um grupo de crianças durante um ano, em que iriamos trabalhar a ilustração de histórias. E verificar, no fim desse ano, qual a motivação delas para a leitura.

9. No seu site oficial refere ser madrinha de várias bibliotecas, é uma experiência interessante, como surgiu a ideia? Como se concretiza na prática essa relação?
Sou madrinha de 3 Bibliotecas Escolares. Fui convidada pelas escolas e aceitei! Acabo por desenvolver o mesmo trabalho que nos encontros nas escolas.
10. Que tipo de atividade desenvolve nas escolas? Há muita adesão e participação dos alunos?
As atividades nas escolas, assim como nas Bibliotecas Municipais, são sempre dirigidas para a ilustração. Correm sempre muito bem.
O trabalho desenvolvido é sempre dirigido á faixa etária correspondente. Na mesma escola, consigo fazer o mesmo tipo de atividade com grupos de 3 anos, 4 e 5 e dos 6 para a frente. Já cheguei a fazer a mesma atividade para alunos do 5º e 6º ano e eles gostaram imenso!

11. Tem alguma parceria com o Agrupamento de Escolas de Reguengos de Monsaraz?
Não!

12.Onde podem ser adquiridos os seus livros?
Os livros podem ser adquiridos através da loja online da Luminaris Edições (www.luminaris.pt) e da minha (www.carlaantunes.com) .

13. Que projetos tem para um futuro próximo?
Não quero adiantar nada… mas veem surpresas boas! ◄

  • Publicado no Jornal PALAVRA, edição de dezembro 2022

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