Este ano é atribuído o Prémio Nobel da Paz ao Programa Mundial de Alimentos pelo seu enormíssimo trabalho no combate à fome. Fundado em 1961 pelo presidente americano, Dwight Eisenhower, este programa desenhou um esquema de disponibilização de assistência alimentar através das Nações Unidas.
Com uma abrangência de 88 países e 138 milhões de pessoas atendidas pelo problema da fome em 2019, o Programa coloca o flagelo da fome no mundo no centro do debate mundial.
Importa referir que o vencedor disputou o prémio com mais 211 pessoas e 107 organizações.
Pode ler-se nas várias notícias sobre o tema, a pertinência da atribuição deste prémio no quadro atual de incerteza e debilidade das sociedades que, já não sendo uma realidade nova, agravou-se com o fenómeno da pandemia Covid 19.
A fome é, igualmente, considerada uma pandemia, dada a proporção que assume na vida do mundo.
Neste momento podemos dizer que dispomos das condições “ideais” para o agravamento deste flagelo: contextos de conflitos e guerra, alterações climáticas e a instalada crise pandémica decorrente da, já referida situação, trazida pela Covid 19.
Importa lembrar algumas dimensões do problema social da fome e da forma como as sociedades, pese embora, o progresso e a evolução tecnológica, ainda não conseguiram, contornar. São múltiplos os fatores desencadeantes deste fenómeno, porém, destaco, desde logo, o impacto do desperdício alimentar. Parece, à primeira vista, completamente contraditório: fome e desperdício?!
É bem verdade que o desperdício de alimentos contribui para a fome de muitos. Podemos, desde já, observar este factor numa escala micro. Todos os dias, em muitos lugares do mundo, há comportamentos graves de desperdício de alimentos e de água. Ou por inércia dos sistemas de distribuição ou por atitudes levianas de uso dos bens ou ainda por desigualdade de oportunidades quanto ao acesso aos circuitos de escoamento e distribuição de produtos, o desperdício de alimentos assume-se como um contributo para o agravamento deste problema. Este é um dos fatores, entre outros, que deve realmente ocupar as agendas políticas. Por outro lado, parece-me fundamental referir a importância do combate, feroz, à desigualdade e à exclusão social, mais do que nunca, em sociedade onde o fosso entre os ricos e pobres tem assumido proporções cada vez maiores.
Importa, por isso, criar programas e medidas de intervenção bem concertadas, próximas dos territórios e que possam dar condições de melhoria à vida dos mais desfavorecidos e garantir que a justiça social caminhe ao lado do desenvolvimento das sociedades.
Num mundo moderno e de abundância, parece não ter lugar a escassez de alimentos, mas o que é certo é que o problema da fome não parece tender a diminuir, pelo contrário. É, por isso, tão necessário, criar condições para a produção e a distribuição igualitária dos alimentos pelo mundo e esbater as situações de desequilíbrio social, onde muitos têm tanto e outros nada têm.
Poder assistir a esta premiação é, por isso, um reconhecimento que me parece inequivocamente meritório. Todas as ações que insistam na redução desta calamidade, têm, socialmente, elevado valor.◄

 

  • Publicado na edição impressa de PALAVRA de outubro 2020

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