Com o mês de agosto chega a “Volta à França em Bicicleta”. Diariamente, em transmissão televisiva, podemos assistir em direto às circunstâncias da etapa diária. A realização da transmissão é excelente, quer no aspeto desportivo, com todos os dados e imagens sobre a corrida e os seus intervenientes, quer no aspeto de divulgação dos territórios atravessados, com vistas fantásticas dos acidentes naturais, da paisagem, das estradas e seus arredores, do património construído e do urbanismo das vilas e cidades atravessadas.
Um aspeto fascinante que é imediatamente visível, é a qualidade do ordenamento dos campos e das áreas construídas. A intervenção humana é regrada, respeitando a natureza, os seus acidentes, as linhas de água e toda a sua vegetação de proteção, as estradas são geralmente sombreadas com arvores altíssimas, os campos de culturas devidamente protegidos por vegetação de compartimentação, ou seja, os pequenos terrenos agrícolas são separados uns dos outros por galerias vegetais – arvores, arbustos e faixas de mato – que compartimentam as culturas defendendo-as dos ventos, das pragas, servindo ainda para nidificação de pássaros que se alimentam de insetos perniciosos para as culturas e fixam os insetos necessários para as polinizações e controlo de outras pragas. Com estes cuidados, diminuem-se drasticamente o uso de inseticidas e produtos químicos para controle de doenças.
Não se veem, como atualmente e em especial no Alentejo, extensões enormes de monoculturas agressivas dos solos e da paisagem, nem se veem as marcas das topografias alteradas e das linhas de água, fontes e nascentes arrasadas. Ou as enormes extensões de estufas de plástico. Também não aparecem vestígios de fogos ou de terrenos mal tratados. Lembramo-nos de imediato do nosso imenso sul, com um aspeto completamente diferente e desordenado. As áreas de vinha, já estavam a ter um predomínio preocupante. Depois do trigo, a primeira crise de excesso de monocultura onde foi desmatada a floresta mediterrânica de sobreiros, a partir da primeira metade do séc. XX, ainda que nessa altura ainda houvesse um mínimo respeito pelas zonas húmidas e pelas galerias de proteção, a vinha começou a impor a sua presença maciça, em especial nas últimas duas décadas. E agora, está tudo infestado com as oliveiras anãs e as amendoeiras, sem nenhum respeito pelo equilíbrio ecológico e paisagístico. É bom para a economia? Será. No entanto, parece querer que os lucros não ficam em Portugal, mas sim em empresas internacionais que usam e abusam da mão de obra escrava. Os poucos lucros ficam para os herdeiros dos antigos latifundiários, que noutros tempos exploravam diretamente a terra e contribuíam para a manutenção de algumas profissões artesanais e da pequena indústria. Os novos herdeiros limitam-se a ser rendeiros ou a venderem os terrenos a estrangeiros.
E qual a razão pela qual somos surpreendidos por esta diferença abismal entre dois territórios e dois países com climas mediterrânicos semelhantes e culturalmente próximos? Só pode ser o interesse pelo lucro fácil e não sustentado, pela economia de momento sem pensar no futuro, pela falta de planeamento, pela incompetência e pelo desconhecimento.
Em relação às povoações, e voltando às magnificas vistas aéreas, dá gosto ver como os aglomerados urbanos se adaptam ao terreno, sem crescimentos comandados pelos lucros imobiliários, com os limites contidos e perfeitamente enquadrados pelos campos agrícolas, sem estarem rodeados de zonas industriais desnecessárias, sobredimensionadas e por isso ao abandono. Sem nós de estradas desnecessários e sem rotundas. E com muitas arvores. Enormes. Nas avenidas e nas praças, arvores sempre com pelo menos 12 ou mais metros de altura, que projetam sombra e frescura nas ruas, abrigam os pássaros e garantem aquilo a que se chama o continuo natural. É muito triste ver a diferença entre estes territórios que podemos ver nas imagens desta frança ordenada e organizada e os nossos exemplos locais, que são precisamente o contrário do que observamos.
Um exemplo desta miséria de planeamento e manutenção deficiente das arvores urbanas, são as obras do centro da nossa terra. Foi um crime ter-se chegado à necessidade de arrancar as arvores existentes, com mais de cem anos, porque foram maltratadas pelos responsáveis, incompetentes, durante décadas, o que levou à sua morte. Em especial os cortes brutais que impediram as arvores de se desenvolverem em todo o seu esplendor. Em vez de apresentarem copas com mais de 10 metros de altura, foram reduzidas à insignificância que exibiam, criando doenças, cancros e apodrecimento precoce. Agora, serão substituídas por espécies inadequadas e que provavelmente terão o mesmo fim. As arvores urbanas têm de ser de espécies apropriadas ao meio urbano. Devem ser altas, com a copa muito acima da altura da nossas cabeças para assim podermos beneficiar da sua sombra e frescura. Devem ainda permitir a nidificação tranquila e segura de espécies fundamentais para o equilíbrio da natureza, garantindo o referido continuo natural que atravesse a povoação. Não podem ter apenas um mero efeito decorativo e estético. Infelizmente, a agressão às arvores urbanas continua a ser uma constante. Não é só em Reguengos, é um mal nacional, mas este caso é o que nos interessa. Trata-se da nossa qualidade de vida.
Quando aos responsáveis, ou melhor dizendo, aos irresponsáveis que sugam os dinheiros públicos com vencimentos que não correspondem à sua (falta de) capacidade, bastava, em vez de se permitirem tomar decisões, passarem um bocado da tarde a verem as imagens aéreas da volta à frança, para verem como se cuida do ordenamento e do planeamento das cidades e dos campos. ◄