Saiu o ano passado uma publicação da responsabilidade da Fundação Calouste Gulbenkian que compila uma série de estratégias que promovem e facilitam o envelhecimento em casa. Podia ler-se na altura, no site da Fundação,
Ageing in place significa a capacidade de continuar a viver em casa e na comunidade ao longo do tempo, com segurança e de forma independente.
O ageing in place não deve ser visto enquanto um recurso mas antes como a primeira opção para as famílias, pelas vantagens de inclusão social e de recompensa emocional que traz associadas. É por isso urgente valorizar e dar a conhecer o que de positivo se faz para promover o ageing in place em Portugal, onde uma população cada vez mais envelhecida não pode ficar à margem das comunidades em que vive, (Gulbenkian).
Escrevo sobre esta possibilidade de “envelhecer no lugar” num momento onde considero que é urgente mudar a forma como se envelhece em Portugal.
Sabemos que há um peso social e económico volumoso associado ao “viver mais anos”, mas perceber o peso real de viver mais anos com graus de dependência severos é também uma reflexão que importa fazer.
Do ponto de vista das políticas sociais dirigidas ao envelhecimento, parece-me que encontrámos um sinal de estreitamento da via, nesta fase de pandemia que agora vivemos, quero com isto dizer que todos os caminhos vão dar à institucionalização plena dos cuidados.
Nas sociedades economicamente mais favorecidas, deu-se o fenómeno da institucionalização dos cuidados, o mesmo não acontece em países com economias mais frágeis em que os mais velhos continuam, por razões, muitas vezes, de fragilidade dos sistemas sociais, a envelhecer em casa e na comunidade.
Nesta fase que vivemos atualmente, percebe-se o efeito multiplicador que tem acontecido dentro dos, comumente, chamados lares. Casas grandes, com muitos habitantes, com espaços de convívio grandes, sem grande lugar à individualidade ou à personalização da vida.
Parece-me que não há um tempo mais oportuno do que este para pensarmos formas novas de envelhecer. Esta é uma reflexão obrigatória e que deve aparecer nos diferentes planos: internacional, nacional e local.
É tempo de medir os custos e impactos reais de envelhecer em instituição e em casa e perceber que, assim como estamos, podemos correr o risco de não permitir que o envelhecimento aconteça com qualidade e como um prolongamento suave das outras fases da vida.
Se olharmos hoje, cada um dos que lê este artigo, à enormidade de dimensões que compõem os nossos dias: ritmos de vida, horários, formas de ocupação do tempo, espaços, objetos e escolhas e se respondêssemos cada um de nós à pergunta “onde quero envelhecer?” A grande maioria de nós escolheria o espaço que construiu ao longo da vida, onde estão as nossas referências materiais e emocionais.
Para além das vantagens associadas às questões sentimentais e emocionais, há também um conjunto de aspetos relacionados com a saúde, a autonomia, o sentido de si que são mantidas por mais tempo quando podemos envelhecer no “nosso lugar”. Acresce ainda que, do ponto de vista da propagação e contágios de doenças, há um sem número de vantagens de viver em núcleos mais pequenos.
Mas como fazer isto? Trata-se de programar opções que fiquem entre a casa e o lar. Todos sabemos o importante papel que os lares desempenham em situações de extrema vulnerabilidade e dependência. É indiscutível o apoio que esta resposta traz em situações que exigem cuidados permanentes, em contexto de grandes necessidades. Porém também sabemos que a uma entrada num lar, corresponde quase sempre um desenraizamento com o contexto social e comunitário ao qual a pessoa pertencia.
No fundo a reflexão que proponho é aquela que vem no guião Ageing in place, que promove o encontro e a criação de resposta intermédias. O lugar onde a pessoa vive não é apenas a sua casa, é a comunidade onde se insere, é o conjunto de apoios com os quais pode contar, são as acessibilidades aos seus lugares de pertença: mercearia, igreja ou farmácia, são as oportunidades de transporte para facilitar as deslocações; é o grupo de convívio; é o tipo de habitação; os serviços envolventes à habitação; os apoios no domicílio e a formação dos que aí prestam apoio.
Não dá para fazer esta reflexão de forma isolada, desligada de um fio condutor. As políticas sociais de envelhecimento devem olhar para as comunidades locais e perceber como transforma-las em locais de oportunidade para envelhecer mais tempo “no nosso lugar”: aproveitar as potencialidades dos lugares rurais e criar estruturas de apoio centrais que ajudem à continuidade do viver em casa; tornar as vias públicas acessíveis; criar linguagens comuns nos serviços públicos e comércio que facilitem que seja a pessoa mais velha a continuar a tratar dos seus assuntos; oferecer um transporte que permita a deslocação entre locais importantes à vida de qualquer cidadão, permitir que as equipas técnicas: fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e apoio espiritual façam mais apoio no domicílio; dotar as casas de ajudas técnicas; facilitar a ida de voluntários, promover a criação de centros de dia e centros de noite, alargar os horários e os serviços dos apoios no domicílio – também estes mais promotores do continuar a viver em casa com apoio.
Do ponto de vista dos ganhos a nível pessoal e familiar, só um envelhecimento e um cuidar apoiado pode trazer benefícios e potenciar o lado bom de continuar a viver em casa. Do ponto de vista das políticas públicas, a médio prazo é mais caro o cuidar institucional do que a prestação de cuidados na comunidade.
Diz-me a minha experiência que, programar os cuidados em casa, com apoio, permitirá criar uma espécie de roteiro de envelhecimento individual, personalizado e mais compatuante com o bem-estar.
Como nota última, é preciso que as políticas de envelhecimento sejam pensadas por quem sabe e envolvendo sempre os mais interessados – que somos todos (já ou ao “virar da esquina”).◄