Durante o período de quarentena foram reportadas várias notícias sobre vandalização de estátuas em toda a Europa, interessante também a repetição e reprodução de tal comportamento/sentimento contra as estátuas.
Se, por um lado, houve a necessidade de vandalizar estátuas como a cabeça de Cristóvão Colombo, em Boston devido ao movimento ativista ‘Black Lives Matter’; por outro lado, a demolição das estátuas deu-se também por outros motivos durante a quarentena e antes dos protestos advindos de ‘Black Lives Matter’ se terem expandido, como é o caso de Praga na Republica Checa, onde foi retirada a estátua de um marechal soviético da Segunda Guerra Mundial, para a substituir por um memorial mais geral. Neste último caso a ordem para a demolição foi estatal, mas com consentimento dos habitantes do bairro onde se encontrava a estátua.
Todo este aparato suscitou várias perguntas: ‘as estátuas merecem ou não estar ali?’ ‘estaremos a apagar a memória de um povo, em último caso, de uma cidade?’ ‘qual é a dialética entre a memória e o esquecimento, e como se reproduz a nível coletivo?’
A última pergunta ainda que bastante histórica, é ainda mais filosófica. Desde uma perspetiva fenomenológica e antropológica, o homem tem o poder de fazer memória, como tem o poder de falar, de agir ou narrar. Por outro lado, se o homem tem o poder de fazer história, é enquanto possibilidade de perda do passado que o esquecimento se revela como uma ameaça.
Voltando ao contexto das estátuas, creio que o impulso das subjetividades terá sido um sentimento de já não pertença, ao olharem a estátua de um colonizador e a glorificação de uma pessoa que no passado deixou um registo ‘fascista’, ‘colonizador’, etc… O que seria se na Alemanha ou na Polónia nos confrontássemos com uma estátua do Hitler? – por certo que a todos nos cairia como uma digestão mal feita. Berlim é o exemplo de uma cidade que reinventou o seu discurso não deixando símbolo da segunda guerra mundial para além do muro e outras estruturas que servem agora para diferentes usos simbólicos e práticos. Faço referencia a um filme alemão, Asas do Desejo, que retrata este processo de reconstrução da cidade – o senhor que procura aquele café que já não existe e se senta com uma cadeira no meio do nada – o que estaria a sentir este homem que se senta agora num lugar não situado e numa cidade que para ele já não existe? – os anjos que fazem parte do filme têm o papel de guiarem as pessoas, de relembrarem as pessoas sobre coisas primárias, pós a destruição e reconstrução da cidade.
A perda do passado urbano pode levar ao esquecimento se o discurso utilizado pela cidade for um discurso do fim de uma coisa e de o começo de outra no sentido radical. A Polónia é hoje um dos países mais racistas e xenófobos e foram eles as grandes vítimas do holocausto; a maioria das pessoas votam extrema direita e são contra imigrantes. A julgar pela maioria da população, não é visível uma luta contra o poder, que neste sentido é também a luta da memória contra o esquecimento.
Não devemos retirar o contexto à história, pois tudo tem um contexto.
O fenómeno em relação às estátuas pôs de manifesto a verdadeira disputa por lugares de memória. ◄