Já não é novidade para ninguém que a pegada ecológica global, ou seja, os recursos naturais que o ser o humano consome anualmente são superiores à capacidade da biosfera (conjunto de todos os ecossistemas do planeta) regenerar esses mesmos recursos e conhecida como biocapacidade! Em 2019, O Dia da Sobrecarga da Terra (DST – Earth Overshoot Day), ocorreu no dia 29 de julho, ou seja, esgotamos os nossos recursos naturais e entrámos em “défice ecológico” sendo necessário 1,75 planetas para satisfazer as necessidades de sobrevivência dos seres humanos até ao final do ano. Os estudos, e também não é novidade para ninguém, demonstram que os países mais desenvolvidos são os grandes responsáveis pela consecutiva antecipação do DST, deste 1970, o último ano em que conseguimos viver com o nosso orçamento natural anual. Curiosamente, no último ano, Portugal foi um mau exemplo ao ter esgotado os seus recursos naturais, no dia 26 de maio, contribuindo com uma pegada ecológica ainda mais negra, bem acima da média mundial, e correspondente a 2,5 planetas.
É uma inevitabilidade a relação indissociável entre a ECOLOGIA e a ECONOMIA, até porque ambas têm o mesmo radical etimológico Oikos que deriva do grego e significa CASA, a primeira para compreender as relações entre os seres vivos e a segunda para tratar da sua gestão de forma a garantir o bem-estar a todos aqueles que coabitam o seu espaço.
Regresso ao séc. XVIII para relembrar o escocês Adam Smith (1723-1790). Smith é conhecido como o precursor da ECONOMIA MODERNA e escreveu a “Teoria dos Sentimentos Morais“ enquanto filósofo e a “Riqueza das Nações” enquanto economista. Depois de ler e reler alguns artigos controversos, relativamente ao seu pensamento, a verdade é que a sua tese incidia no valor do trabalho e respetiva troca dos seus produtos, com base no AUTOINTERESSE e na metáfora da “MÃO INVISÍVEL” como acreditando numa espécie de autorregulação do mercado per si. Assim Smith preconizou a liberalização económica através do Laissez-faire (do francês “deixar fazer”) que excluía o ESTADO do mercado de negócio de compra e venda, o que seria suficiente para gerar o bem-estar da sociedade e cabendo ao Estado garantir apenas a lei e a ordem e tudo o que não seria do interesse do setor privado.
Resumindo, e segundo o seu modelo de economia liberal, Smith afirma que “o consumo é a única finalidade e o objetivo de toda a produção”, algo defendido pelo sistema capitalista até aos dias de hoje que resulta no crescimento económico sem fim pela obsessão do lucro, do PIB e da dívida para não ruir. Se Smith pretendia com o seu modelo económico combater a vil máxima “Tudo para nós, e nada para os outros”, ao retirar a intervenção direta do ESTADO (economia mercantilista da época) da equação, a verdade é que volvidos mais de 200 anos, o mesmo se tornou INSUSTENTÁVEL social e ambientalmente por razões que ele próprio não conseguiu prever.
A verdade é que o modelo sugerido por Smith evoluiu para um desenvolvimento que, paulatinamente, tem vindo a destruir os recursos naturais com todas as implicações sobejamente conhecidas, tornando-se incapaz de erradicar a pobreza no mundo e de garantir uma justa distribuição de riqueza, inclusive, vindo a privatizar setores que, e na minha opinião, deveriam ser da exclusiva responsabilidade do ESTADO como, por exemplo, a ÁGUA, a SAÚDE e a EDUCAÇÂO! Para além disso, o truque da financeirização da economia veio transformar as democracias em oligarquias apoiadas em paraísos fiscais do sistema bancário e defendidos por grupos de advogados, permitindo aos poderosos a conivência submissa dos chefes de ESTADO em troca do capital (empréstimo a pagar por todos), e assim acumularem ainda mais riqueza.
Segundo o relatório de 21 de janeiro de 2020, da ONG britânica Oxfam, “os 2.153 bilionários do mundo têm mais riqueza do que 4,6 mil milhões de pessoas, aprox. 60% da população mundial.” É precisamente esta pequena elite de “Senhores da Humanidade”, e que Smith queria eliminar com o seu modelo, hoje perfeitamente identificada (Bezos, Gates, Slim, ZucKerberg, Musk,..), que vê na pandemia um “JANELÃO” de oportunidade para continuarem a aumentar as suas FORTUNAS com a justificação de que a solução para o futuro está nas novas tecnologias e na Inteligência Artificial (IA) tentando convencer os Estados a fazerem investimentos astronómicos nestas áreas como, o ensino à distância, a telemedicina, a vigilância nas ruas, os drones e veículos autómatos, …. numa nova e louca força de poder do presente entre as grandes potências mundiais, a qual deveria, na minha opinião, estar centrada no HUMANISMO e na CONSERVAÇÃO DA NATUREZA!
Atualmente, o economista e filósofo francês Serge Latouche, autor do livro “A Sociedade da abundância frugal” é visto como o precursor da PROPOSTA desafiadora do “DECRESCIMENTO”, ao defender “uma sociedade que produza menos e consuma menos” para evitar uma catástrofe ecológica e humana e afirmando também que “é preciso trabalhar menos para ganhar mais, porque quanto mais se trabalha, menos se recebe. É a lei do mercado. Se você trabalha mais, aumenta a oferta de trabalho, e como a demanda não aumenta, os salários baixam. Quanto mais se trabalha, mais se provoca a baixa dos salários. É necessário trabalhar menos horas para que todos trabalhem, mas, sobretudo, trabalhar menos para viver melhor.”
É estruturante a mudança de paradigma sendo crucial a mudança de mentalidade que começa em todos nós, priorizando a intervenção direta dos cidadãos, mas com uma responsabilidade acrescida dos decisores políticos e dos gestores das empresas, independentemente da sua dimensão! A Ecologia tem sido, duma maneira geral, apenas uma coisa bonita que fica bem falar, a fazer lembrar a “prostituta” que presta um serviço de satisfação efémero e descartável! É tempo da ecologia deixar de estar ao serviço da economia e de reverter os papéis! É tempo de abandonar o princípio de economia LINEAR para CIRCULAR!
É urgente valorizar de forma justa as externalidades positivas (por ex. os serviços dos ecossistemas) e penalizar ou eliminar as negativas (por ex. poluição em geral), quer ao nível do consumo, quer da produção, em prol do bem-estar social. A incapacidade, do mercado quantificar as externalidades que geram as chamadas “falhas de mercado” para os economistas e que, duma maneira geral, concedem vantagens apenas para alguns e causam prejuízos, sobretudo, sociais e ambientais para a maioria, mas que ninguém paga, embora existam alguns mecanismos para mitigar as vantagens (taxas, impostos) e os prejuízos (subsídios).
Para quem não sabe, em 2018, pela primeira vez foi feito um estudo para calcular o valor estimado do serviço prestado pelos insetos polinizadores à agricultura brasileira, o qual rondou os R$ 43 bilhões, aprox. 7,2 mil milhões de euros. A estimativa refere-se aos valores que seriam gastos pelos agricultores caso os polinizadores, sobretudo, abelhas, não contribuíssem para a produção de alimentos. Imaginem o peso deste serviço não pago a nível da economia mundial e que deveria reverter, por exemplo, para projetos de conservação ou outros em prol de todos.
É preciso equilibrar os braços da balança entre a ECOLOGIA e a ECONOMIA para que o garante da sobrevivência humana neste maravilhoso planeta carregado de biodiversidade seja uma realidade! O progresso tecnológico poderá fazer parte da solução, evidentemente, mas nunca ser a solução, com a certeza de continuar a contribuir para um aumento de desemprego e de pobreza inimaginável que deve ser intolerável e contrariado nos dias de hoje!
É preciso acabar com a caridadezinha dos ricos para com os pobres e apostar na capacitação das pessoas e no valor justo do trabalho onde a educação assume o seu papel central! É preciso a partilha, a criatividade e a cooperação, mas, e sobretudo, ÉTICA!
Termino, mais uma vez, com uma afirmação de Sir David Attenborough “Quem acredita em crescimento infinito num planeta fisicamente finito ou é louco, ou é economista.” Um ótimo e feliz dia para todos! ◄