Velho

Parado e atento à raiva do silêncio
De um relógio partido e gasto pelo tempo
Estava um velho sentado no banco de um jardim
A recordar fragmentos do passado

Na telefonia tocava uma velha canção
E um jovem cantor falava na solidão
Que sabes tu do canto de estar só assim
Só e abandonado como o velho do jardim?

O olhar triste e cansado procurando alguém
E a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém
Sabes eu acho que todos fogem de ti pra não ver
A imagem da solidão que irão viver
Quando forem como tu
Um velho sentado num jardim

Passam os dias e sentes que és um perdedor
Já não consegues saber o que tem ou não valor
O teu caminho parece estar mesmo a chegar ao fim
Para dares lugar a outro no teu banco do jardim

O olhar triste e cansado procurando alguém
E a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém
Sabes eu acho que todos fogem de ti pra não ver
A imagem da solidão que irão viver
Quando forem como tu
Um resto de tudo o que existiu
Quando forem como tu
Um velho sentado num jardim

(Mafalda Veiga)

 

Caminho percorrido

Quanto mais caminho percorrido, mais paisagens retidas, mais encontros realizados. Também mais cansaço acumulado, mais sofrimento. Os que vão à frente no caminho da vida vão deixando as suas marcas nas muitas encruzilhadas, indicando a direção a seguir. Erros, acertos, dores, alegrias: aprenderam a fazer caminho passo a passo, porque o trajeto de cada um só pode ser trilhado por cada um individualmente. À força de avançar, com o peso dos anos – quantos trabalhos e dificuldades, quantas recordações de situações hoje impensáveis – sabem que muitas coisas sobram, não são importantes, e tornam mais ligeira a caminhada. Ficam com o essencial. Também sabem pelo que experimentaram, que aparecem outras necessidades que demonstram a vulnerabilidade do ser humano, exigindo a capacidade de se aceitar a partir de uma nova situação.
Quanto mais caminho percorrido, mais experiência, mais sabedoria daquela que não se encontra nos livros, mais tesouro acumulado para transmitir aos que vêm atrás desejosos de devorar o mundo mas privados de mapa e bússula. Pouco a pouco há que deixar o lugar e a iniciativa a outros, e isso dói. Embora se entenda que o mundo prossegue a sua marcha, adaptar-se ao desconhecido, ao novo, também custa.
Os que vão à frente também merecem o reconhecimento, respeito e ajuda que, por justiça, a sociedade lhes deve. Têm um caudal de vida acumulado e ativo que não se pode desperdiçar nem desvalorizar. O papel dos avós na família como principais transmissores de valores; a ajuda aos casais jovens que, graças a eles, podem levar por diante projetos profissionais e familiares; as ações de voluntariado paciente, solidário e generoso; o testemunho de uma fé vivida com maturidade. Esse reconhecimento deve traduzir-se em políticas eficazes de atenção social, porque a realidade assim o exige. Mas também com a linguagem do carinho que todos sabemos compreender.

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