Em visita ao concelho de Reguengos de Monsaraz para estar próximo das pessoas que sentiram mais de perto e com mais impacto os efeitos da Covid-19, fruto do surto pandémico que teve origem no Lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, o Arcebispo de Évora, D. Francisco Senra, após a celebração da Eucaristia dominical, na qual rezou e se solidarizou com o povo de Reguengos, concedeu uma entrevista ao jornal PALAVRA.
Se, na celebração da Eucaristia disse: “Julgais que vim dar-vos força? Não! Vim buscar a vossa força para as lutas da minha vida. Aprendi mais com o vosso olhar do que vós com as minhas palavras”, na entrevista revela o seu olhar sobre o concelho de Reguengos e suas gentes e sobre a comunidade cristã e a sua vivência da fé, em tempos de pandemia.
O arcebispo de Évora, sentiu Reguengos com grande intensidade por duas vezes. Na primeira, em março aquando do primeiro surto, limitado a apenas oito pessoas, viu o perigo dentro do Centro Social e Paroquial do Sagrado Coração de Jesus de Campinho, que pela natureza da instituição podia ter sido, desde logo, um primeiro drama, o que felizmente não aconteceu. A esse propósito o arcebispo revela que, nesses dias “Reguengos tornou-se por este motivo de prova e por uma sensibilidade que se criou, a capital da nossa diocese, a capital do afeto, da preocupação. Vós fostes muito amados”. A segunda, mais recentemente, quando há dois meses surgia o surto no coração da cidade. Aí o arcebispo, depois de se referir ao grande impulso que as “gentes laboriosas” deste concelho deram à vila para que se tornasse cidade, diz que em Reguengos “há uma tecelagem humana que é diferente no sentido do compromisso das pessoas. Quando aqui há uma festa, há uma festa a sério. Quando aqui há uma iniciativa, é uma iniciativa a sério. Ou seja, Reguengos demonstra uma grande coesão social e uma grande cumplicidade, no sentido positivo do termo, das pessoas umas com as outras”.

 

Quem faz o percurso à volta do concelho de Reguengos vê “um concelho marcado pelo investimento, pela coragem, pela determinação, pela capacidade de risco e isso significa também o sentido da esperança”. Ou seja, segundo o arcebispo, no meio do Alentejo, Reguengos “diz a toda a gente que é possível. Que é possível vencer e ir em frente com uma qualidade de vida” mesmo no interior do país.
Ora, é esta cidade e este concelho que se vê, de um momento para o outro, “numa situação de grave crise” e, diz o arcebispo, “toda a gente olhou para Reguengos, dizendo, está ali um desafio enorme àquela população, que é uma população que vai ser capaz de mostrar, na sua coesão, uma diferença” caso contrário o “desastre teria números muito superiores”.
“Deve ter havido momentos sérios de preocupação pela população, pela vida das pessoas” e isso “foi uma das preocupações que eu senti, que se conseguisse confinar o problema, travar a evolução”, diz o arcebispo de Évora falando dos sentimentos que viveu ao receber a notícia do surto. “Vocês teriam que ser muitíssimo disciplinados e colaborantes” e só “começámos a ficar descansados, quando verificámos que isso estava a acontecer e que o assunto estava confinado e que vocês também estavam a reagir de modo positivo”.
Ao tomar conhecimento do início do surto, o arcebispo de Évora entendeu ser seu dever não ficar apenas nas palavras de uma mensagem, mas imediatamente contactou o presidente da Câmara de Reguengos e o pároco e colocou à disposição os equipamentos de que a diocese dispõe, os Seminários de Évora e Vila Viçosa e a Cáritas diocesana, para poder servir no que fosse necessário, porque “o mais importante é o compromisso”.


Questionado sobre a sua presença no domingo dia 2 de agosto, em Reguengos, o arcebispo revela sem rodeios o seu olhar sobre a comunidade cristã de Reguengos e diz: “o que me traz aqui é sobretudo o intuito de me encontrar com uma comunidade cristã vigorosa”. Ao decidir vir, ao chegar e ao entrar na Igreja de Reguengos, o arcebispo sentiu “um grande respeito pela comunidade. Senti que estava diante daquilo que humanamente maior respeito merece, espera e impõe, que é o sofrimento. Ao olhar para vós, porque vós não disfarçais, não escondeis, não é possível, as vossas almas estão nos vossos olhos, senti que eu estava diante de uma comunidade sofrida”. Então sentiu que era companheiro que veio para dar a mão e fazer caminho, abrir o farnel da esperança e partilhar com todos. E, embora na Igreja, apesar de cheia, só estivessem alguns, diz o arcebispo “estávamos todos”, “nós hoje tínhamos a igreja cheia, estava uma multidão imensa que nós não víamos”. Foi um dia de gratidão para com os que partiram e com todos os que trabalharam para cuidar dos que mais sofreram com este surto.
Nas palavras do arcebispo, a “paróquia de Reguengos é uma paróquia, no contexto da arquidiocese de Évora, vigorosa, com dinamismo, com criatividade, com uma capacidade muito grande de inovação”. A preparação pastoral de há largos anos fez da Unidade Pastoral de Reguengos uma Igreja com “características de pioneirismo em várias respostas, de inovação e ao mesmo tempo de percurso piloto”.
Uma comunidade amadurecida deixa no arcebispo a alegria, por reconhecer que os cristãos deste concelho ao serem testados pela prova dramática do Covid-19 corresponderam na fé, “esperança e vínculos da caridade, da comunhão e da unidade”. E acrescenta que, “esta comunidade cristã participou também com a sua fé e a sua esperança, na força interior que envolveu esta situação”. Para o arcebispo “a espiritualidade desta comunidade ajudou, deu força, gerou comunidade, comunhão, compromisso, sentido de esperança e confiança para ter sido mais fácil vencer a situação”.


“Acredito, refere, que foi muito importante o contributo silencioso, que não se vê, mas que é o interior de cada pessoa que teve essa força e essa esperança em Jesus Cristo para ver com olhos pascais que o Senhor está vivo no meio de nós”.
Por esta razão, entende o arcebispo de Évora que “a Igreja foi muito atenta” houve um cuidado muito grande “até nos funerais, uma discrição muito grande para que não houvesse problemas mais complexos”.
O arcebispo deixa ainda uma palavra sobre o futuro, a que chama “segunda pandemia”. A situação social, económica e psicológica das pessoas que perderam tudo ou pelo menos muito ou alguém com esta situação merece atenção. Diz o arcebispo, “aproveito o prestígio e a autoridade que o jornal Palavra tem. Porque o jornal Palavra tem prestígio e autoridade porque é independente”, para dizer ao poder central que “o interior do país deve ter uma descriminação positiva. A afirmação de que investir no interior do país é uma loucura, pode ser verdade, mas é lamentável que seja verdade”.


O grande problema, para o arcebispo é que as pessoas sentem que “aqui não podem fazer as suas vidas”. Fecha tudo e ficam apenas os idosos. “Os idosos não imigram” até ver, porque já não vai havendo gente para cuidar deles nas instituições de solidariedade. E é aqui que o arcebispo entende que a Segurança Social também tem um papel importante na construção da descriminação positiva: “Eu queria citar aqui o vosso pároco numa frase muito feliz e sintetizadora que é esta “a Segurança Social não tem por missão apenas vir dizer às instituições o que o Estado lhes quer dizer, como uma espécie de carteiro recadeiro, porque nós podemos ler, não precisamos de receber recados do poder central através das estruturas distritais. O importante era que as estruturas distritais fossem a voz do distrito que representam e que elegeu a voz parlamentar que temos, e levasse a voz das instituições, do Portugal real interior, ao poder central. Fizesse sentir ao poder central que tem que haver uma atenção específica ao interior do país que não é igual à faixa litoral”.
No final D. Francisco despede-se dizendo, “eu parto daqui com uma verificação, Reguengos passou por uma prova, mas venceu essa prova. Ficando cicatrizes que são as dores, as saudades de quem perdeu os seus entes queridos e os que estão ainda a recuperar, mas é um fenómeno vencido”. ◄

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