Há 4 anos, em novembro de 2016, o texto publicado nesta mesma coluna teve exatamente o mesmo título. “God Bless America” é o título de uma canção patriótica dos EUA, um hino não oficial, da autoria do compositor Irving Berlin e que, traduzido para português, significa “Deus abençoe a América” ou também “Deus salve a América”. Quando escrevi esse texto viviam-se os primeiros dias depois da surpreendente vitória de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas. A campanha e o conhecimento que havia de Trump não permitiam augurar bons tempos para os EUA. Mas tudo o que de mau se poderia esperar foi superlativizado! Trump veio acirrar uma sociedade profundamente polarizada, perigosamente dividida, onde os motivos que levaram à guerra civil conhecida como “Guerra da Secessão” (1861-1865) continuam bem vivos. O que esteve na origem do conflito foi a abolição ou manutenção da escravatura negra, com vitória dos estados da União, que defendiam a abolição desta forma abjeta de exploração humana. Mas aquilo a que assistimos nos últimos 4 anos foi ao crescimento dos grupos e organizações de supremacistas brancos, fortemente armados, que fazem temer o pior.
O mandato de Trump foi inenarrável! Que estranha sociedade é a americana, que há 12 e 8 anos elegeram um presidente negro e há 4 um presidente racista? Os últimos 4 anos da presidência americana foram constantes surpresas. Surpresas desagradáveis porque não se supunha que fosse possível num país democrático haver tanta falta de senso, tanta falta de preparação, tanta falta de respeito pelo sentido de Estado e pelo cargo de Presidente. Nunca se viu um Presidente mentir desabridamente, dizer tudo e o seu contrário, no dia ou na semana seguinte. O despudor com que colocou a sua família nos cargos importantes do Estado ultrapassou tudo o que já tínhamos visto em Estados ditatoriais. A forma como favoreceu empresas da filha, às claras, foi escandalosa. A desfaçatez que mostrou quando, confrontado com a declaração que só tinha pago 750 dólares de impostos em média nos últimos anos, respondeu “porque sou esperto!” teria levado, em qualquer outro país do mundo, pelo menos à sua demissão. Não sou um conhecedor a fundo da estrutura política dos EUA. Mas espanta-me que um país que se ufana tanto da democracia possa ter permitido que esta personagem tenha tido uma atuação totalmente lamentável, despropositada e até criminosa. Espanta-me que não existam mecanismos legais, como em Portugal por exemplo, que impeçam todos os excessos a que assistimos desde 20 de janeiro de 2017, dia da posse de Trump. Aliás esse dia foi logo uma antevisão do que seria o mandato, pois a principal preocupação da “entourage” de Trump foi provar, com fotografias falsas, que tinha tido mais gente a assistir à sua posse do que Obama.
É claro que os atropelos à verdade e à democracia, os despedimentos e nomeações pela rede social “Twitter”, os incitamentos à violência e, no último meio a gestão caótica e criminosa da pandemia dariam para encher todas as páginas deste jornal.
Para terminar em beleza, todo o contexto do ato eleitoral é digno do mais completo absurdo. Um Presidente que põe em causa, antecipadamente o aparelho eleitoral do seu país é coisa que nunca esperei ver. Já se assistiu, variadas vezes, aos opositores de vários regimes contestarem atos eleitorais. Quando é o principal responsável e Presidente a fazê-lo, pensamos que estamos noutra dimensão. Não aceitar os resultados eleitorais, invocando fraudes sem qualquer sustentação legal, num país que gosta de ser definido como a maior democracia do mundo, leva-nos a pensar estar perante uma ditadura africana. Quando os observadores internacionais não detetaram nenhum ato censurável e só vemos a palhaçada criada pelos filhos de Trump, o seu genro e chefe do gabinete presidencial Jarred Kuchner, e por Rudy Giuliani, chefe do gabinete jurídico, temos a certeza que estamos perante uma farsa de todo o tamanho.
O que admira é que haja ainda malfadados   comentadores políticos que conseguem descobrir aspetos positivos na atuação de Trump e que ainda o julgam como se fosse uma pessoa normal. Não é! E os EUA já estão a pagar bem caro os 4 anos do consulado Trump.
O que preocupa é que o “trumpismo” não acabou! Porque apesar de derrotado, Trump teve mais 3 milhões e meio de votos do que há 4 anos, o que é um excelente resultado eleitoral. Isso significa que há cerca de 70 milhões de americanos que se reveem em Donald Trump. Muitos serão pessoas conscientes, mas vários milhões parecem dispostos a confrontar os cânones mais sagrados de uma democracia. O tecido social norte americano foi muito castigado pela globalização. A classe média americana, sobretudo a dos estados do interior, foi progressivamente abandonada por vários governos. Os tratados internacionais de comércio foram prejudiciais. Estes “deserdados da globalização” caíram nos braços de Trump, porque ele disse o que eles queriam ouvir. Obviamente não lhes resolveu nenhum dos problemas, tal como acontece com a extrema direita europeia. Mas isso é outra análise que já não cabe neste espaço, neste mês. ◄

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