Ultimamente tenho-me questionado sobre o que me terá levado ao caminho efetivo da política. Chego sempre à conclusão que foram dois os motivos: os diálogos com o meu avô Janes e o meu trabalho, enquanto técnica de saúde no Agrupamento de Centros de Saúde do Alentejo Central, desde 2005, sobretudo enquanto membro da então equipa de Saúde Escolar do Centro de Saúde de Évora e por ter trabalhado em todos os Centros de Saúde do nosso distrito. O segundo motivo (o mais prático) faz-me acreditar que a intervenção comunitária em saúde pode ser dos melhores promotores do gosto pela política – política de “policy” e não de “politics”. Para os anglo-saxónicos a diferença entre os termos é clara: “policy” é a arte de usar o poder, de o colocar ao serviço de um projeto; “politics” é a arte de alcançar o poder e garantir a permanência no exercício do mesmo. Neste contexto concreto de trabalho conhecemos o dia-a-dia dos cidadãos e validamos, também, o que uma boa articulação institucional pode alavancar em prol da melhoria contínua da qualidade de vida das famílias.
Neste meu percurso efetivo de 10 anos pelas instituições de saúde e de 11 anos (alguns sobrepostos) como eleita local convivi com pessoas e profissionais de todos os tipos e aprendi que se pode ser “mau” e “bom” em qualquer profissão ou cargo, e inclusivamente alternar entres estes estados no mesmo contexto e na mesma profissão ou cargo. Tudo depende das circunstâncias. Contudo, houve sempre uma diferença muito vincada entre estas duas realidades. Na saúde, nunca ouvi nenhum profissional dizer “eu não sou profissional de saúde” (sendo bom ou mau profissional), já na política “canso-me” de ouvir colegas eleitos afirmar “eu não sou político”. Cada vez que ouço esta frase fico atónita…perceciono-a como se ser político se assemelhasse a ser um monstro. Ou na linguagem da Netflix, como se os políticos fossemos todos o Frank Underwood do House of Cards, capazes dos piores crimes. Estes colegas parecem ter medo do que são, ao ponto de recearem que quem se cruze com eles na rua mude de lado se lhes descobrirem a verdadeira identidade. E tudo porquê? Aparentemente por que são “políticos”… essa elite de boas maneiras e palavreado solene, mas capaz das piores jogadas.
Sobre esta atitude de alguns colegas também já me questionei inúmeras vezes – por que razão afirmam “eu não sou político”? Ao contrário do que acontece com a questão inicial do texto, a conclusão a que chego hoje é que o problema está na minha pergunta. A pergunta correta é – por que razão afirmariam “eu sou político”? Provavelmente terão poucas razões, à luz da atualidade.
Pensando bem, a maioria do que nos chega sobre política vem da televisão, sobre o formato de informação ou sobre o formato de ficção (séries). Por estas vias, igualmente na maioria das vezes e na diversidade dos contextos, a política é apresentada como o ecossistema da ambição e da falta de escrúpulos, onde o que menos importa é o eleitor. Perante este cenário, fica-me mais simples de entender o medo dos colegas em assumir, sem pudor, a sua posição consciente sobre o cargo para o qual se candidataram livremente e foram eleitos de forma democrática. Posso entender, mas não concordo, nem me revejo. Reconheço, obviamente, que a construção mental coletiva partilhada por grande parte dos autores da informação e da ficção, que dá aos políticos gestos de requinte, maneiras à mesa e perfil de pilantras, é fortalecida com a eleição de pessoas como Donald Trump ou Jair Bolsonaro (ainda que democraticamente).
Contudo, e apesar de saber que a televisão prefere não dar protagonismo a uma constante da política que sustenta a verdade, funcionando esta apenas como verniz (muitas vezes transparente), como metaforicamente o refere Pedro Boucherie Mendes n’A Revista do Expresso, ela existe. Na ficção, sobretudo nas séries, os “bons” políticos raramente chegam à última temporada.
A verdade é que fora da televisão, há muitos políticos a dar o seu melhor todos os dias, como haverá os que não dão, há muitos profissionais de saúde a dar tudo todos os dias, como haverá os que não dão, há muitos professores a “dar” o melhor que sabem todos os dias, como haverá os que não dão…e este raciocínio será válido para todas as profissões ou cargos. E é na certeza de que nos estamos a colocar ao serviço de um projeto que serve as pessoas que não nos devemos envergonhar de ser políticos. Mas parece-me lógico que em qualquer contexto da nossa vida, só valha a pena se for assim.
O mês passado vimos o Senhor Secretário de Estado da Saúde, Dr. António Lacerda Sales (médico e político), chorar numa das conferências de imprensa da Direção Geral da Saúde, enquanto anunciava que nesse dia o país registava zero mortes por COVID-19. Os comentários sobre esta reação do Senhor Secretário de Estado variaram entre “o político virou crocodilo” e “o político fez-se Homem”. Haverá mesmo quem acredite, depois de tudo o que passámos enquanto país, que aquelas lágrimas eram falsas e que apenas o fez por aparência? Acreditarão também que terá sido a primeira vez que chorou desde que é Secretário de Estado? E porque acreditarão nisso? Só porque é político? Então, acreditem igualmente que muitos políticos também choram. Não porque se façam Homens, mas porque são Homens e Mulheres todos os dias, antes, durante e depois de serem políticos. Acreditem por último, que a maioria das vezes que choramos não o fazemos por nós e que muitos de nós não acredita, à semelhança de Donald Trump, que a COVID-19 apareceu, como uma coisa chata, numa qualquer temporada do reality show que é a sua vida. ◄