Começa a ser uma sina, triste sina, o tema destes textos mensais ser, com uma frequência inusitada, o Grupo Espírito Santo e o que dele resta, e que se auto nomeou de Novo Banco, também apodado de “banco bom”!
De fato os desmandos são tantos, os negócios duvidosos tão frequentes, a capacidade de continuar a lesar o Estado sempre presente e a ser usada e abusada, que não resta outra hipótese senão denunciar abundantemente tais práticas desonestas. E não escrevo criminosas ou ilegais porque à luz do que são os procedimentos bancários desta sociedade capitalista, muitos dos questionáveis negócios são lícitos.
Há menos de um mês soube-se, por uma investigação do jornalista Paulo Pena do “Público”, que o Novo Banco havia vendido, em 2015, 5552 imóveis e 8719 frações por quase metade do preço. Na altura Helena Roseta chamou a atenção para o negócio, argumentando que aquelas casas, àqueles preços, fariam um jeitão para implementar as políticas de habitação do Estado. À data vereadora da habitação da Câmara de Lisboa, Helena Roseta ficou “a pregar no deserto”. O dinheiro perdido neste negócio será coberto pelo Fundo de Resolução, que o mesmo é dizer pelos contribuintes. Mas mais extraordinário é que o Novo Banco emprestou o dinheiro para a compra em saldos ao comprador. E quem é o comprador? Ninguém sabe ou, pelo menos, não é público! É um fundo da empresa norte americana Anchorage, sediado nas Ilhas Caimão, registado no Luxemburgo e representado em Portugal por cinco imobiliárias sediadas no Shopping Columbia, no Campo Pequeno, e que foram posteriormente compradas pela filial luxemburguesa da Anchorage. O que se sabe destas cinco empresas é que tinham um lucro acumulado de 200 euros. Apesar dessa pequenez, fizeram o segundo maior negócio ibérico dos últimos anos. Mas as perplexidades, para ser eufemístico, não acabam aqui! À data do negócio, um dos vice-presidentes da Lone Star, entidade detentora da maioria acionista do Novo Banco, era David Bartlett, que depois foi contratado pela Anchorage, empresa detentora do fundo imobiliário que adquiriu os imóveis e as frações.
Não é preciso ser um especialista em Economia para desconfiar da lisura e da ética destes negócios! A imoralidade e a injustiça recaem no facto de nenhum destes procedimentos ser ilegal! O banco que empresta dinheiro ao comprador, a fuga aos impostos para empresas sediadas no Luxemburgo, anónimos a comprarem milhares de casas, o Estado que aceita um desconto de 42% em tempo de boom imobiliário. Nada disto é crime se for executado por fundos imobiliários anónimos, apesar de António Ramalho, o Presidente do Novo Banco, afirmar que sabe muito bem quem é o comprador. Isto seria um crime sério se fosse executado por cidadãos, que têm que provar e pagar para comprar uma casa. Mas nestes tempos de avassaladora supremacia do capitalismo cada vez mais selvagem, “finança” quer dizer massa anónima de fundos gigantescos, que transformou o crime em legalidade, tornando quase impossível uma fiscalização e uma regulação por parte do poder político. O drama, um dos dramas, do nosso tempo é o poder político tornar-se cúmplice destes procedimentos, que estoiram o dinheiro gerado na atividade económica produtiva.
Ainda mal refeitos dos procedimentos descritos acima, fomos hoje, 10 de agosto, confrontados com outra negociata … estranha, para dizer o mínimo. A seguradora GNB Vida, propriedade do Novo Banco, foi vendida em outubro de 2019 com um desconto de quase 70%, gerando uma perda de 268,2 milhões de euros relativamente ao seu valor contabilístico inscrito no balanço de 30 de junho do mesmo ano da instituição. A juntar a isto, a seguradora, que continua a operar no mercado nacional, agora com o nome de Gama Life, foi vendida ao magnata do setor segurador norte americano Greg Lindberg, à data suspeito de corrupção e fraude fiscal, e entretanto, condenado a pena que pode chegar aos 20 anos de prisão. O mais espantoso é que o Fundo de Resolução reconheceu idoneidade ao comprador e o Banco de Portugal não questionou o negócio. Negócio que justificou o último pedido de injeção de capital do Novo Banco, que todos pagámos. Por qualquer razão que o comum dos mortais desconhece, os negócios ruinosos, duvidosos, que geram enormes prejuízos, da banca portuguesa, são sempre cobertos pelo Fundo de Resolução, que não é mais do que o Estado. Mais uma vez não se percebe o papel dos reguladores, neste caso o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal. Como escrevi no texto de julho, estas entidades reguladoras servem apenas para proteger os donos do capital, nunca questionando ou pondo em causa negócios de que se desconfia a léguas.
Conclui-se, de toda esta maneira de atuar, que assim é muito fácil ser capitalista: se o negócio for lucrativo, pagam-se dividendos aos acionistas; se gerar prejuízos, recorre-se ao Estado para “tapar o buraco”. Neste caso António Ramalho justificou o montante da venda com os preços de mercado. Mas três meses antes da venda o valor contabilístico da seguradora era superior em 268,2 milhões de euros… Quererá isso dizer que os ativos do Novo Banco estão todos inflacionados e que a situação da instituição é ainda mais grave do que se pensa?
Novo Banco “o banco bom”? Não há bancos bons!◄