E que pelas mãos dos que rezam, passem sempre os corações dos mais esquecidos, e as suas vidas, e os seus sonhos, e as preces que não fazem porque não os ouvimos, porque não os vimos, porque não os sentimos como parte do mundo que nos abalroa. Recomeçamos para voltar a dizer que todos somos tudo, e toda a Humanidade abarca todos os rostos e se reflete em todos os povos da Terra.
Recomeçamos com a humilde simplicidade de um homem que se ajoelha perante os Homens, que pede perdão e que pede lucidez ao Mundo de todos os outros homens. Fala-nos ele sobre a fraternidade mundial de um mundo em que não queremos ter irmãos. Falamos muito sobre a fraternidade do ser irmão do outro, mas ainda fazemos tão pouco para colocar as nossas mãos à obra que é preciso.
Francisco de Assis, o santo que tinha por irmãos o sol e o vento, inventor sentido de uma Sagrada Família em Presépio que nos ficou na tez e no sangue, dizia Fratelli Tutti para que todos pudessem saber como seguir o Evangelho com as suas vidas. Por vezes dizemos que alguém seguiu com a sua vida, depois de um interregno, de uma perda, de um sofrimento atroz ou de uma violência que terminou. E lá foi, seguiu a sua vida capaz de recomeçar a viver. As pessoas não recomeçam sozinhas, mesmo que pensem e sintam que o mundo e as pessoas já os magoaram demais. Ninguém morre sozinho e também ninguém vive sozinho.
Francisco do amor fraternal, da alegria e das coisas simples, ajoelhou muitas vezes perante a Natureza e perante a ruína das obras dos Homem, vividas na sua Assis e no seu tempo. Fratelli Tutti é hoje reforçado por outro Francisco, o I, o Pastor da Terra que já havia invocado S. Francisco de Assis no tratado de salvação para o nosso planeta, a nossa casa comum. Recomeçamos porque voltamos sempre aos locais onde fomos felizes e Francisco, O Papa, oferece-nos de novo a felicidade de nos cruzarmos com Francisco, O Santo de Assis, inspirador por Natureza.
Quando queremos ser Fratelli Tutti, caminhamos ao encontro do outro, não deixando nunca de lado a nossa identidade, a nossa Fé Universal, o nosso projeto de vida, o nosso empreendimento mais salutar e puro fundeado no amor a Deus. Escutamos, pomo-nos de pé e fazemos caminho. A preparação do nosso recomeço na preparação da Jornada Mundial da Juventude 2023 em Lisboa, vai por aqui, vai neste sentido. e quando caminhamos ao encontro do outro, nem sequer perguntamos quem é o outro, aceitamo-lo, fechamos os olhos e abrimos o olhar, estendemos os braços e damos ver o nosso coração, que fica assim, à solta, correndo pela felicidade de fazer o outro feliz.
Por estes dias em Assis, o venerável Carlo Acutis é também sinal de Fratelli Tutti nas nossas vidas. Na mesma terra de Francisco o Santo, e nas orações do outro Francisco, O Papa. A sua vida foi curta, mas de uma entrega transcendente, de um encontro permanente de Jesus na Eucaristia e de uma constante abertura ao mundo digital como veículo de evangelização, de apelo, de fraternidade para com todos, em todos os lugares do mundo. Carlo é hoje de uma identidade fiel à vida de cada jovem. O seu apelo é sério, que consigamos ser originais, que não queiramos ser cópias uns dos outros, ou de partes de uns, procurando parecer outros que nunca seremos. Carlo é exemplo de vida pela aventura que foi viver Deus nos seus 15 anos entre nós. Deixou-nos para nos ser mais próximo, partiu para nos receber lá no alto do Céu, onde continua a acreditar na originalidade do tempo jovem, onde a juventude da vida, pela sua irreverência, pode ser tão criativa, criadora, cativante e marcante.
Por estes dias as falsas seguranças grassam, mas também as certezas incomensuráveis da solidez da nossa Fé. Tal como a casa que é segura na rocha, o mundo anseia ser seguro em Deus, único alicerce vivo e que faz da vida de todos, quer creiam, quer não o façam, um porto seguro, real, duro, mas seguro. O único lugar para onde retornamos ao final do dia, somos nós próprios, o nosso existir povoado de todas as dimensões da nossa vida. Ansiamos por cura, ansiamos por fraternidade onde possam caber todos, mas ansiamos sobretudo por amor legítimo de quem legitimamente ama.
Por cá, em torno das nossas planificações do novo ano pastoral, damos início devagarinho a tantos planos que temos no coração. As Pastorais estão a todo o gaz. O Re(começo) aconteceu ontem na rede digital (como Carlo Acutis gostaria de ter estado connosco a falar da Eucaristia!!!) para uma rede humana de jovens capazes, confiantes, e desafiadores de novas fraternidades. O Plano Sim é oração proactiva, caminhante nos tempos vivos de todos os dias, é presença por cima do ombro do outro, à distância de uma oração que se faz com a vida e se oferece por vocação. No próximo ano seremos sinal de Deus, seremos sinal entre os jovens, entre os homens, entra a estória que se vai escrevendo com a vida de todos os dias.
Recomeçamos para voltar a dizer que todos somos tudo, e toda a Humanidade abarca todos os rostos e se reflete em todos os povos da Terra. Continuarão a existir sonhos desfeitos e continuaremos a esquecer a história do que passou na semana passada, mas continuaremos também a ouvir os que nos falam de amor e a acreditar neles, os que nos falam de privação e a crescer com eles, os que nos falam de sofrimento e a chorar com eles, os que se nos dão e os que esperam que a nossa vida seja sempre entrega.
Carlos de Foucauld queria ser o Irmão Universal, e para isso pedia a um amigo “Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos.” Apenas quando nos identificamos com os últimos, podemos aspirar a ser irmãos de todos os que povoam a Terra. Francisco o Papa, pede a Deus que inspire este ideal dentro de cada um de nós. Fratelli Tutti, porque nós somos o mundo…◄
*Publicado na edição impressa em outubro 2020