Somos um país bem-comportado que gosta de deitar foguetes antes de tempo. Achámos que o jogo estava ganho antes do apito final. Afinal, podemos ter que reconhecer que o jogo ainda nem começou, que estamos ainda nos treinos ou exercícios de aquecimento, mas como sempre, achámos que estava ganho e que até conseguiamos passar por isto com menos prejuízos que outros países europeus. Somos um país que perde por não saber esperar. Sofremos de uma impaciência crónica.
Há países que estiveram meses debaixo de fogo, Itália e Espanha, por exemplo. Países com mais vida social que nós, basta ver as praças de qualquer vilarejo da vizinha Espanha, nem falemos das cidades, para perceber que são um povo que vive nas ruas, à porta dos bares, num convívio permanente, diário. Estiveram em Estado de Emergência até há duas semanas atrás. Foi difícil? Foi! Foi difícil a muitos níveis, pessoal, familiar, emocional, social, profissional e económico. E tiveram que suportar o confinamento, debaixo do permanente bombardear de notícias catastróficas a anunciar milhares de infetados e centenas de mortos de vinte e quatro em vinte e quatro horas.
Não somos piores que os espanhóis, mas, tendo vivido um drama de dimensões bem menores, não soubemos guardar as devidas cautelas quando nos abriram as portas do confinamento para respirarmos e aliviarmos um pouco do isolamento de dois meses. Quisemos tudo de uma vez e acabámos perdendo, quando podíamos, neste momento, estar a sentir o ar a entrar lentamente nos pulmões, também da economia, neste tempo maravilhoso de verão, com o país a encher-se de turistas.
Cansámo-nos cedo demais e agora não aceitamos a mínima crítica. Não admitimos que nos digam que juntámos pessoas a mais em demasiadas festas. Que promovemos jantares e almoços antes de tempo, que pensámos ser um paraíso à beira mar plantado, quando sabíamos que o vírus tem tanto de democrático como de antidemocrático e faz estragos onde quer e não onde nós entendemos.
Não admitimos, porque entendemos ter cumprido a nossa parte com dois meses de confinamento. Temos direito(s). Estes direitos tornaram-se, nos sistemas democráticos modernos, uma intolerância face às situações em que deve imperar o bem comum acima dos direitos. Os outros fizeram três e quatro meses e também tinham direito(s).
Quando se perde do horizonte a dimensão do bem comum, navega-se à deriva e acaba-se a embater na primeira rocha ou no primeiro icebergue que revela a fragilidade da embarcação.
Desconfinámos porque estávamos convencidos de ter feito um bom trabalho e cumprido exemplarmente as orientações dadas, mas depressa se desvaneceu a nota de bom comportamento.
O que aconteceu no país aconteceu em todas as regiões, também no Alentejo, também em Reguengos. Pensámos, cedo demais que o assunto estava resolvido. Funcionámos um pouco à Bolsonaro. Pensámos que só atingia os outros. Meia dúzia de casos e dois mortos, era irrisório para um território tão grande.
Ao contrário do que se possa pensar, não acuso ninguém, nem pessoas, nem grupos, nem instituições. Entendo que não soubemos desconfinar de forma gradual, prudente, sensata, sabendo que o problema continua bem presente e não é de solução fácil.
Agora, tanto no país como em Reguengos, podemos recomeçar, mais devagar, com mais cuidado, sem exageros e sem embarcar em aventuras que podem custar caro aos mais aventureiros e aos outros.
Temos uma tendência inata para os extremos. Ou havemos de nos esconder em casa sem ver o sol ou exageramos julgando que não há perigo. Neste momento estamos a viver de novo o medo inicial, mas agora com o perigo bem mais perto. Vendo que à nossa volta há pessoas a morrer confinámo-nos voluntariamente.
Entendo que os exageros, sobretudo os que são provocados pelo medo, não fazem bem a ninguém. Precisamos de aprender a estar em casa e a sair de casa. Aprender a criar um sistema de rotina. Uma rotina que nos faça bem, que nos leve a ver os outros, a apanhar sol, a respirar o ar puro do Alentejo.
Os reguenguenses, neste momento, não precisam de discursos bem elaborados, nem de currículos, nem de listas de boas intenções, nem de promessas. Os reguenguenses precisam de uma voz segura, firme e decidida, de uma resposta clara que dê confiança e de um projeto seguro que faça renascer a esperança no presente e no futuro.
Sim! Podia ter corrido melhor. Sim! Há leituras a fazer. Sim! Há responsabilidades a assumir. Sim! Há decisões a tomar. Sim! O que estamos a viver é um drama. Mas não precisamos de carregar nas tintas tornando o drama ainda maior do que ele é.
Reguengos sabe, como sempre soube e Portugal sabe, como sempre soube, sair desta situação. Esperemos é que todos ,individual e coletivamente, aprendamos a lição e, porque o perigo ainda não passou, continuemos a cuidar uns dos outros cuidando da nossa própria proteção.◄