Seis anos depois de uma decisão difícil, Catarina Correia reconhece que foi a melhor decisão que tomou na vida e colhe já os frutos do risco que aceitou correr. Ela mesma diz que “muitas vezes vivemos uma vida acomodados. Muitas vezes nem estamos contentes. E acho que devemos arriscar! Eu arrisquei e correu bem e adoro viver em Viena”.
A primeira vez que sugeriram a Catarina Correia partir de ERASMUS, a resposta foi imediata: “não”. Tinha terminado recentemente o Curso de Especialização em Auditorias a Sistemas de Gestão, em Borba. Aos 26 anos e já com um filho, Fernando, Catarina achou que partir de Portugal (ainda que apenas por três meses) não era a melhor decisão.
No entanto, com o apoio da família e após alguma reflexão, percebeu que valia a pena arriscar. E assim, algum tempo depois, partiu rumo a Viena, na Áustria.
Foi um ERASMUS “diferente”, explica Catarina, acrescentando que foi um ERASMUS “de trabalho” e, por isso, trabalhava mais horas durante a semana para poder aproveitar o fim de semana para fazer visitas e viajar: “fui à Hungria, Budapeste e Eslováquia”.
A primeira opção era Itália, mas rapidamente se apaixonou por Viena: “Viena é muito verde… Tem muita cultura, muitos monumentos, muita riqueza e conhecimento. É um país muito centrado, está a 4 horas da República Checa, 1 da Eslováquia e 3 da Suíça… Posso viajar, que é algo que gosto muito, e mesmo a nível de transportes e preços é tudo muito acessível”.
Três meses mais tarde Catarina regressou a Portugal para entregar o relatório de estágio e, passada a etapa final, preparou-se para iniciar a vida em Viena, desta vez para ficar. Um dos maiores desafios foi a língua, já que “alemão não foi nada fácil”, lembra. Assim, Catarina iniciou um curso de alemão e, pouco tempo depois, começou a cuidar de uma criança de quatro meses. Em simultâneo, o filho Fernando, já com 10 anos, iniciou também a escola e “aprendeu muito mais depressa a língua e depois começou a ajudar-me nos trabalhos de casa e exercícios do curso”, conta entre risos.
Fernando acompanhou a mãe desde o início. A primeira vez que foi a Viena foi depois de Catarina iniciar o programa ERASMUS. “Antes de o Fernando vir para Viena definitivamente, trouxe-o durante duas semanas, durante o período da neve. A ideia era que nesse período ele me dissesse que queria viver cá”, relembra Catarina. O objetivo era que, ao ver a neve, a vontade e o interesse surgissem. Mas o plano não estava a correr como desejado: “Ele esteve cá e, durante o tempo todo, nunca nevou! Tanta coisa e a neve não vinha”. No entanto, “mesmo no dia antes de ele [Fernando] voltar para Portugal, nevou! No último dia nevou!”, conta Catarina. Foi nesse dia que Fernando disse que gostava de viver em Viena com a mãe.
Para a reguenguense foi esse o melhor momento desde que chegou a Áustria. Mas há muitos outros que guarda na memória, como por exemplo o dia em que decidiu aprender a andar de ski com o filho ou, até, quando terminou o primeiro curso de alemão.
Porém a decisão de partir não foi fácil. “Portugal é o meu país, a minha cultura. A saída foi uma aventura e muitas vezes me perguntei se tinha tomado a decisão correta. Era nova, o Fernando também e muitas vezes me perguntei se não tinha sido mau arriscar e trazê-lo comigo. Hoje já não; hoje sei que tomei a decisão correta”, diz.
Atualmente Catarina trabalha numa empresa de Consultadoria, onde é assessora de clientes – principalmente estrangeiros – e esclarece questões relacionadas com o sistema financeiro da Áustria (como abonos de família, apoios, seguros necessários, pensões…). Mas Catarina não fica por aqui. Também colabora com duas amigas numa empresa de importação de plantas da América do Sul para a Europa.
Uma vez que lida diariamente com clientes de várias nacionalidades, principalmente brasileiros, espanhóis e alemães, o português “acaba por ser a língua que menos falo”, conta. No entanto, para contrariar essa realidade, Catarina faz questão “de ler muito para não esquecer e para praticar”. Além disso, em casa a língua rainha é o português, falado entre os dois diariamente, apesar de já se notar uma “mistura”.
Para Catarina houve “um choque cultural muito grande. E por isso digo muitas vezes que eu e o Fernando fizemos um excelente trabalho de equipa, porque foi também a coragem e o esforço dele que me fizeram chegar aqui”.
Relativamente aos austríacos a portuguesa defende que “são pessoas muito fechadas. Precisam de muito tempo, mais tempo do que estamos habituados. Mas pensam muito à frente e estão sempre preparados para tudo. Só que não riem muito… Mas acho que a questão histórica também fez deles pessoas mais sérias e fechadas, apesar de estarem sempre prontos a ajudar”.
Além disso são, ainda, um povo muito regrado. Catarina relembra, entre risos, que em Viena ninguém atravessa a passadeira quando o semáforo está vermelho. “Se alguém passar no vermelho, os polícias avisam logo. E usam altifalantes! Se eu levar uma camisola vermelha, por exemplo, dizem logo “senhora de camisola vermelha, o semáforo está vermelho” e toda a gente ouve tudo”. Também no metro colocar os pés no banco dá azo a uma repreensão automática, assim como colocar uma beata de um cigarro no chão é “multa certa”.
Ao longo dos quase seis anos em que Catarina esteve longe de Portugal, têm sido duas as palavras que a têm acompanhado: fé e esperança. Mas, como se vive a fé em Viena?
“Ao início tinha de ir à eucaristia no sábado porque era em inglês e era a única forma de perceber. Depois comecei a ir à catedral de Santo Estevão, no centro da cidade. E depois então, quando já sabia o suficiente de alemão, comecei a ir à igreja ao domingo”, conta. No entanto, a noção de comunidade em Viena não é uma realidade, já que há eucaristias seguidas das 9h às 19h e, por isso, apesar de “tudo estar interligado, a ligação não é igual à nossa em Reguengos”.
Segundo Catarina, Áustria é um país “muito católico” e, por isso, o domingo “é mesmo dia santo”. Está tão enraizada a noção de que é um dia de descanso que todo o comércio fecha, excetuando alguns restaurantes. Além disso, no que toca a supermercados, apenas dois ou três permanecem abertos, para casos de emergência.
Sempre que fala do filho, Catarina esboça um sorriso e partilha inúmeras histórias. E rapidamente afirma que foi mãe muito nova, algo que se opõe ao estilo de vida austríaco. “Aqui são pais muito tarde. Preferem o trabalhão, o sucesso, o dinheiro e viajar. E os filhos acabam por ser um plano mais para a frente”, afirma a reguenguense, que acrescenta que a maioria das mulheres são mães a partir dos 35/36 anos, sendo que a noção de “gravidez de risco não é tão focada como em Portugal”, já que ainda há quem seja mãe aos 43 anos (tendo um acompanhamento de saúde mais próximo e regular do que o habitual).
Para Catarina, em Viena há sempre algo para fazer e “muitos sítios onde apanhar ar”, no entanto “é um país com pouco sol”, mesmo em pleno mês de julho, que tem marcado mais chuva que sol. É este um dos aspetos que mais falta faz a Catarina, que está habituada a visitar Portugal e ser presenteada com uma luz que não encontra em Viena.
Esta é uma das diferenças entre os dois países. Mas, no fundo, “a Áustria é um país lindo”, afirma. Para Catarina “a parte mais difícil já passou, que foi a parte da adaptação”. E daqui para a frente há já um futuro com muitos planos e expetativas associados.
Um desses planos é terminar o nível C1 de alemão (que acontecerá dia 13 de julho). Mas Catarina não vai ficar por aí. O próximo passo é entrar na universidade e licenciar-se em Direito Económico, já que “em Viena dão muitas oportunidades a quem trabalha e estuda e a universidade é grátis para todos, à exceção dos 30 euros que pagamos em fotocópias”. Segundo as contas de Catarina são pelo menos mais cinco anos de estudo e, em seguida, pode iniciar a carreira. Por esse motivo, regressar a Portugal definitivamente não está nos planos.
“Muitas vezes vivemos uma vida acomodados. Muitas vezes nem estamos contentes. E acho que devemos arriscar! Eu arrisquei e correu bem e adoro viver em Viena”, conta Catarina com o sorriso e alegria característicos e que já lhe valem o elogio “sempre que a Catarina chega há alegria” entre os colegas de trabalho austríacos. ◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de julho 2021
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