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“A imagem dos professores, dos educadores e da docência está, hoje em dia, em baixa”

António Jorge Ferro Ribeiro nasceu há 61 anos em São Sebastião da Pedreira, Lisboa. Em 1985, licenciou-se em Ensino de Biologia e Geologia, pela Universidade de Évora, e, desde então, deixou-se ficar pelas planícies alentejanas. Como professor, conta com passagens por Reguengos de Monsaraz, Évora, Mourão, Redondo e Vila Viçosa. Há 26 ocupou o primeiro cargo de direção de escola, como presidente do conselho diretivo da Secundária Conde de Monsaraz. Em 2013, tornou-se o primeiro Diretor do Agrupamento de Escolas de Reguengos de Monsaraz. Além do ensino, entre 2007 e 2009, foi também presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens do Concelho de Reguengos. O professor António Ribeiro é casado e tem duas filhas.

 

Quando percebeu a sua paixão pela área da educação?
Nós somos sete irmãos, sendo eu o mais velho. O meu pai tinha os dias muito ocupados nas suas múltiplas atividades médicas (clínico, professor e cientista), o que deixava a minha mãe com muitas atribuições. Assim, eu dava o meu contributo e, por vezes, ajudava os mais novos nos seus trabalhos de casa. Os meus irmãos iam dando um feedback positivo sobre o meu desempenho, o que me foi convencendo das minhas aptidões pedagógicas.

Nasceu na região de Lisboa. Como se deu a vinda para o ensino em Reguengos?
Em primeiro lugar, eu nasci em Lisboa, mas a casa dos meus pais é no concelho do Seixal, em zona de pinhal. Portanto, até aos dezanove anos vivi, pode-se dizer, no campo. Em segundo lugar, não tendo entrado no curso de medicina, a opção seguinte seria a de professor de biologia e, na altura, os cursos de ensino com estágio integrado só existiam em Braga, Aveiro e Évora. Logo, optei por Évora, por ser mais perto e por gostar muito do Alentejo, inclusive por ter familiares em Estremoz. Em terceiro lugar, no primeiro ano que lecionei fui colocado em Reguengos de Monsaraz, na escola secundária (a funcionar no Palácio Rojão), tendo estagiado no ano seguinte nas, na altura, novas instalações da Escola Secundária de Reguengos de Monsaraz. Até ficar efetivo em Reguengos, lecionei também em Évora, Mourão, Redondo e Vila Viçosa. Em quarto lugar, conheci a minha mulher aqui em Reguengos de Monsaraz e, quando casámos, pensámos em ficar em terreno neutro, não me fascinava ir para Montemor-o-Novo, para ser conhecido por o marido da Amália, nem a minha mulher ficou fascinada em ir para a minha zona e acontecer-lhe o mesmo…

Na sua perspetiva, quais são os maiores desafios que uma escola hoje em dia e quais os que existiam quando iniciou a sua vida profissional como professor?
Nos tempos atuais, a transição para a Escola Digital, que prevê, nas escolas públicas, a instalação de equipamentos de projeção em todas as salas de aula, laboratórios e outros espaços de utilização pedagógica. Sem estas medidas, não se poderá abolir, por exemplo, os manuais escolares em papel e com isso contribuir para o Compromisso Verde. Estamos no início de uma mudança radical de paradigma. Quando iniciei a minha atividade, enquanto professor, as preocupações dominantes nas escolas eram a aposta na inclusão de todas as crianças e jovens com necessidades educativas específicas, o aumento da taxa de escolarização, a descida das taxas de retenção, bem como a melhoria do desempenho dos alunos portugueses em aferições internacionais.

O que o fez concorrer à direção de escola e depois de agrupamento?
Tenho de confessar que a candidatura à direção de escola não foi uma coisa muito pensada. Em relação ao agrupamento, foi a perspetiva de levar a todas as escolas do concelho um trabalho articulado entre todas elas.

Desde 1996 que ocupa cargos de direção de estabelecimentos de ensino. Sente falta de dar aulas?
Nestes últimos 20 anos não tive turma, salvo duas substituições, de um mês cada uma, mas posso dizer que não houve um único desses anos que não me apetecesse dar aulas.

O que distingue o Agrupamento de Escolas de Reguengos de outros?
Reconhecidamente, o Agrupamento de Escolas de Reguengos é um agrupamento com múltiplas atividades. Alguns docentes que chegam pela primeira vez sentem e verbalizam isso mesmo, avançando para além da quantidade, a diversidade e a qualidade das mesmas. Estou a referir-me às áreas de saúde, segurança, bibliotecas escolares, desporto escolar e visitas de estudo, mas também a planos/projetos que nos ajudam a ultrapassar as dificuldades e a agarrar as oportunidades, como o Plano de Ação Estratégica, o Plano de Desenvolvimento Pessoal, Social e Comunitário, o +Sucesso, o PIP AERM, o Plano de Ação para o Desenvolvimento Digital da Escola, complementado pelo P.A.D.D. Investe e pelo Compromisso Verde. Assim como às atividades promovidas nas áreas da Educação Especial e da Cidadania e Desenvolvimento. Por outro lado, somos escola associada da UNESCO, foi-nos atribuído o certificado de qualidade do ensino profissional EQUAVET e um Clube Ciência Viva, após candidatura. Mas, talvez o mais paradigmático, sejam as atividades organizadas pelos alunos, nomeadamente pela associação de estudantes, que são concebidas e projetadas para os alunos no geral. São os casos dos Dia do Diploma e Quadros de Valor e de Excelência e do Dia do Agrupamento, atividades que foram muito afetadas pela Covid-19. Aqui, os mais velhos aprendem a projetar e a organizar eventos e, por outro lado, a promover atividades para os mais novos. Esta interação é muito especial. Os ex-alunos de há três, quatro, cinco, dez e mais anos sabem o que estou a dizer.

Que mudanças sentiu em 2013, quando deixou de ser diretor da Escola Secundária e passou a ser diretor de todos os estabelecimentos de ensino?
A gestão/liderança deixou, na maioria das vezes, de ser presencial para fazer-se à distância. Mudou completamente a forma de comunicação e aumentaram, exponencialmente, as dificuldades da mesma.

Nos últimos dois anos, a pandemia obrigou a alterações no ensino. Como é que as escolas do nosso concelho se organizaram e se posicionaram perante os planos de contingência para prevenção da Covid-19?
Neste quadro, houve que identificar e enumerar um conjunto de orientações excecionais de organização e funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar e das escolas dos ensinos básico e secundário, deste agrupamento, que garantiram a segurança de todos em tempos de pandemia. Definiu-se uma estratégia que minimizou e mitigou o risco de transmissão da doença Covid-19, com a adoção de medidas preventivas mas, também, processos de deteção precoce de eventuais casos. Sem subestimar as medidas excecionais que tivemos de implementar, não descurámos do ponto de vista pedagógico, a importância das aprendizagens e do desenvolvimento das crianças, bem como a garantia do seu bem-estar e direito de brincar, sobretudo em idade pré-escolar. Para isso, contámos com a ajuda e compreensão dos pais e encarregados de educação e de todos os nossos stakeholders. É digno de nota que alicerçamos a nossa atuação nas orientações da tutela, em articulação com a Direção-Geral da Saúde (DGS). Por outro lado, os Planos de Contingência (autoria da professora Elsa Reis) e de Organização do Ano Letivo (diretor) sofreram alterações sempre que se justificava, decorrentes da avaliação da evolução da pandemia. Durante o confinamento a Escola de Acolhimento foi a E.B. Manuel Augusto Papança. Foram distribuídos 232 computadores aos alunos dos escalões A/B/C. Manteve-se em funcionamento a Equipa de Proximidade, como complemento ao ensino não presencial e à escola de acolhimento. Implementámos, ao abrigo do Despacho n.º 8553- A/2020, de 4 de setembro, três planos de Desenvolvimento das Aprendizagens em Contexto de Domicílio com alunos considerados doentes de risco.

Ao longo destes 26 anos, conseguiu concretizar tudo aquilo a que se propôs?
Em 26 anos, primeiro como presidente e depois como diretor, foram, naturalmente, concretizados muitos objetivos, outros não o terão sido. Não vou destacar nenhum em especial, o que gostaria de fazer era agradecer a Reguengos de Monsaraz e a todos vós, docentes e não docentes, alunos e ex-alunos e à comunidade educativa, no geral, a oportunidade que me concederam de usufruir destes cargos, o que para mim foi uma grande honra e um enorme privilégio.

Quantos alunos tem o Agrupamento?
Neste ano letivo, há 1440 alunos.

O número de alunos tem vindo a baixar nos últimos anos. Como interpreta esta descida?
O número de alunos diminuiu em 258 nos últimos oito anos. Deve-se única e exclusivamente à diminuição brutal da taxa de natalidade. Continuamos a ter alunos dos concelhos de Mourão, Moura, Alandroal, Redondo e Évora a frequentarem o ensino secundário, mas num número significativo a frequentarem, também, a partir do quinto ano de escolaridade. Como se vê o nosso território de influência é alargado.

Quais são os valores que considera serem fundamentais a serem transmitidos atualmente aos alunos do concelho?
Liberdade: desenvolver todas as atividades letivas e não letivas e demais prestação de serviços, com respeito pela liberdade e independência dos intervenientes; Solidariedade: cultivar a solidariedade como o valor, que mais e melhor fará desenvolver a Escola e as Pessoas; Desenvolvimento sustentável: atender ao desenvolvimento sustentável da organização como objetivo fundamental, alicerçado na criatividade, ousadia, pro-atividade, inovação, consistência e esperança.

Existe também uma falta de docentes (bem como envelhecimento da classe). Como se pode resolver o problema?
A imagem dos professores, dos educadores e da docência está, hoje em dia, em baixa. São, na minha perspetiva, as próprias organizações de docentes (associações de professores, sindicatos, conselho de escolas e associação de diretores) que têm que melhorar, substancialmente, a comunicação, pois esta não está, de todo, a passar. A comunicação social, quando coloca a educação na ordem do dia, fá-lo ou a propósito de greves ou de situações negativas. Ora, isto traz, indubitavelmente, consequências nefastas em relação à perceção que os jovens têm da profissão docente. Portanto, tem de se melhorar a comunicação, a imagem que os jovens têm da profissão docente, a formação de professores e as condições remuneratórias, para que esta tão nobre profissão seja mais apetecível.

Ao longo desses anos muitos colegas fizeram parte da sua equipa… Como foram escolhidos?
Foram escolhidos de acordo com as suas competências e o reconhecimento que têm dos pares. Para alguns deles, estamos a falar de um perfil ao nível dos anos de transição, tendo outros um perfil adaptável independentemente do modelo de gestão, da organização em escola não agrupada ou em agrupamento de escolas. Todos deram o seu contributo, aproveito esta oportunidade para lhes agradecer publicamente. Os anos que considero mais complicados foram estes últimos dois mandatos, oito anos, tendo existido invulgar capacidade, competência, resiliência, dedicação e esforço de todos. Tenho de destacar (geralmente corre mal quando o fazemos) os professores Jacinto Palma, David Mendes, Paula Pita, Marcelina Oliveira, Maria João Charrua e Herlander Barradas.

A legislação permitia-lhe candidatar-se a mais um mantado de quatro anos. Quais as razões que o levaram a não apresentar a sua candidatura?
O desempenho do cargo de diretor de um agrupamento de escolas de grandes dimensões é duro, quer em termos físicos, quer psicológicos. As férias são quase inexistentes e a gestão de conflitos quase diária. Aos 61 anos, é natural estar cansado. Por outro lado, a legislação que aprova o regime de administração e gestão dos estabelecimentos públicos de educação preconiza para o cargo de diretor o máximo de quatro mandatos, ou seja, dezasseis anos. Partindo deste princípio, e tendo vinte seis anos de exercício do cargo de diretor e similares, já ultrapassei em muito essa marca.

Com a delegação de competência para as Câmaras a “autonomia” das escolas é cada vez menor. Concorda com este modelo?
Tenho algumas reservas. Vamos ver na prática.

Em dezembro recebeu a Medalha de Mérito Cívico do Município de Reguengos. O que sentiu nesse momento?
Gostaria de agradecer ao Executivo Camarário e à Assembleia Municipal por me terem atribuído uma das distinções honoríficas do Município de Reguengos de Monsaraz. Na altura lembrei-me de uma antiga história de Churchill, o velho estadista inglês. Conta-se que certo dia recebeu, na bancada conservadora de Westminster, um jovem deputado do seu partido que tinha acabado de ser eleito pela primeira vez. Virando-se para a bancada oposta, onde se sentam os trabalhistas, o jovem deputado comentou. «é então ali que estão os nossos inimigos!». Churchill, com a sua imensa sabedoria, corrigiu-o de imediato: «Ali sentam-se os nossos adversários. Os nossos inimigos sentam-se ao nosso lado, nesta mesma bancada!».

O que se segue no seu futuro?
A lecionação com certeza. Vamos, no entanto, aguardar.

Que palavras gostaria de deixar ao seu sucessor no cargo?
O meu sucessor pode contar com uma transmissão de poderes rigorosa, detalhada e transparente.◄

  • Publicado no Jornal PALAVRA, edição de junho 2022

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