Enquanto escrevo o presente texto vou deitando o olho para a televisão, para a primeira meia final do US Open, um dos quatro torneios de ténis mais importantes do planeta. O jogo disputa-se entre o norueguês Casper Rudd e um outro tenista chamado Karen Kachanov, que deve ser apátrida porque, à frente do seu nome, não aparece menção a nenhuma nacionalidade ao contrário do que acontece com o seu adversário, identificado com a abreviatura “NOR”. Qual a razão para que tal aconteça? O facto de Kachanov ter nascido na Rússia, ser um cidadão russo e isso hoje ser mal visto no mundo ocidental, Europa e América do Norte. (Vou aqui escrevê-lo mais uma vez: sempre que um país soberano invade outro país soberano, estou e estarei sempre do lado do invadido. Mas isso não me impede de olhar para os dois lados do conflito, e espero que nunca me tolde a capacidade de análise e de comentário. E agora reparo que de cada vez que aqui escrevi sobre a tragédia que se passa em solo ucraniano, senti necessidade de fazer o ponto prévio, referindo que condeno a invasão. É sinónimo da pressão que a opinião pública faz sobre cada um, criando um receio de se ser altamente criticado se não se alinhar com o que é dito massivamente nos órgãos de comunicação social)
A condenação da agressão russa à Ucrânia, que começou por ser natural, espontânea, verdadeiramente popular, começou depois a revestir-se de atos perfeitamente ridículos, absurdos e até xenófobos, de recusa de tudo o que é russo, inclusivamente o povo e a secular cultura. Concertos foram cancelados em vários palcos europeus e americanos porque os maestros que iriam dirigir as orquestras eram russos, ou porque iriam ser executadas obras de compositores russos. Peças de teatro de dramaturgos russos foram também canceladas por essa Europa fora. Desportistas russos foram proibidos em vários eventos desportivos. E se era aceitável que representações desportivas, por exemplo seleções nacionais, do estado russo fossem canceladas, já quando os desportistas apenas se representam a si próprios em desportos individuais pode ser considerado uma perseguição a um povo, como aconteceu num outro dos quatro torneios mais importante, no caso Wimbledon, em Londres Ora todos sabemos que não há povos que sejam intrinsecamente bons ou intrinsecamente maus. Em todos os povos há gente boa e gente má, democratas e tiranos. Os russos não são todos maus e os ucranianos todos bons. A cultura russa, como a cultura ucraniana ou outra qualquer, não se pode apagar! Podem queimar-se livros, como Zelensky fez há umas semanas com livros russos, podem rasgar-se partituras que a importância dos compositores russos de final do século XIX e primeiras décadas do século XX não diminuirá à escala mundial. Quando Portugal combatia em três guerras contra os movimentos de libertação africanos, não éramos todos colonialistas, nem fomos todos responsáveis pelos massacres, como o de Wiriamu, que alguma tropa portuguesa levou a efeito. Quando, em competições desportivas os atletas russos presentes não são identificados na sua nacionalidade, está a faltar-se ao respeito ao atleta.
Se ao referido anteriormente adicionarmos aquilo que Zelensky exigiu ao ocidente, o fecho de fronteiras a todos os cidadãos russos, e a pressa com que alguns primeiros ministros concordaram, fazem-nos pensar que Zelensky é, neste momento, um dos homens mais poderosos do Mundo.
Podemos interrogar-nos relativamente ao que o povo sofredor ucraniano ganha com estas medidas. Que resultados positivos advêm destas tomadas de posição? A verdade é que à brutalidade da invasão russa, a NATO, a União Europeia e os EUA respondem com a mesma brutalidade, não se antevendo qualquer desenvolvimento para o conflito que não seja mais e mais mortes e desgraça. Parece que os canais diplomáticos estão esgotados e a guerra já se banalizou. Putin não teve, provavelmente, a vitória que ambicionava. Mas isso não o vai fazer recuar, só por si. O ocidente pretende militarizar a Ucrânia, treinar o seu exército para fazer frente ao exército russo e o poder derrotar? Quanto tempo vai isso demorar? Quantas vidas ainda serão sacrificadas? Zelensky está preocupado com isso? Não me parece… ◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de setembro 2022
Falta referir que o massacre que ocorria no Donbas desde 2014 ,acabou com a ” invasão”.