jornalpalavra

jornalpalavra

As esplanadas da pascoela

A passada segunda feira, por acaso a nossa conhecida segunda feira de festa, ou de pascoela, dia em que as ruas das terras do Alentejo costumavam estar desertas porque toda a gente ia para o campo celebrar a pascoela, foi a data escolhida pelo governo para o início da primeira fase do desconfinamento, em que, entre outras coisas, se iniciou o serviço nas esplanadas dos cafés e restaurantes. A pascoela é a semana a seguir à pascoa e provavelmente este dia também está relacionado com a celebração da ressurreição de Jesus Cristo, havendo ainda a lenda de que os apóstolos Pedro e João terão sido libertados nesta segunda feira a seguir ao domingo de Pascoa. Terá sido nesta libertação que o governo pensou ao escolher esta data simbólica para iniciar o desconfinamento?
Em outros locais do pais o dia também é conhecido como a segunda feira de sestas, e é também um dia festivo. Era o dia em que entrava em vigor o horário laboral de verão dos trabalhadores rurais, com o período do almoço alargado para nele incluir as horas de maior calor, podendo assim, os trabalhadores rurais, dormirem uma sesta. Para comemorar o início desse tempo de estio, era costume os patrões oferecerem essa tarde, que era aproveitado para confraternizar, no campo, e dormitar a primeira sesta do ano.
Curiosamente é um dia considerado de festa também em várias outras latitudes e religiões, e comemorado como celebração de milagres, rituais coletivos, procissões, acampamentos, folguedos e invariavelmente comidas, bebidas e digestões prolongadas a necessitarem de sesta. O que é claro é a mistura de celebrações religiosas com outros hábitos profanos e pagãos, e esta prodigalidade tem mesmo criado novos eventos sociais como as noites brancas, muito em voga no pais e no mundo, que também bebem nestes festejos remotos relacionados com os batismos, os anjos e a vestes usadas em todos estes cerimoniais. Entre aspectos simbólicos e realidades, o ponto em comum em todos estes eventos festejados nesta data é a celebração da vida e do renascer de um novo tempo, o tempo das colheitas, com dias mais longos, com mais luz, mais alegria e mais calor.


Assim, seguindo esta onda de celebração e aproveitando esta data alegórica, abriram as esplanadas e os Portugueses acorreram em força para aproveitar o dia de sol. O curioso foi ver como a pandemia teve esta particular capacidade de alterar radicalmente o ambiente urbano das nossas povoações. Um dia que tinha uma componente rustica, rural, campestre, que despejava as cidades para o campo, tornou-se num dia de urbanidade. De saída à rua e aos espaços exteriores dos cafés e restaurantes. As ruas e praças, noutros anos desertas, encheram-se de gente a petiscar e a beberricar as suas cervejinhas.
Portugal é um pais em que tradicionalmente não se gosta de esplanadas. É comum considerar, quando se compara a forma de viver dos portugueses com os cidadãos dos outros países, que os Portugueses têm grande falta de gosto pelo convívio de rua em esplanadas. Qualquer cidade europeia, a começar pela nossa vizinha Espanha e até ao mais longínquo dos países, mesmo os que têm climas mais agrestes, tem por hábito encher as suas esplanadas, mesmo no inverno, para aproveitar o mais pequeno raio de sol. Com os Portugueses, esse hábito não é comum, exceto no mês de agosto e quando em férias. Noutros tempos sim, era comum as pessoas saírem à noite para irem para as esplanadas. A nossa praça do Papança, noutros tempos, há algumas décadas, tinha várias esplanadas com centenas de pessoas, que saiam de casa para conviverem, conversarem e para assistirem à televisão. A televisão era na altura um objeto novo, poucas pessoas ainda tinham o aparelho em casa. E então, era comum as pessoas saírem para irem ao café ver a televisão: os jogos de futebol e de hóquei em patins, os telejornais, os filmes e as séries, como “O Fugitivo”, a “Missão Impossível”, ou “O Santo” que tinham tantos adeptos ou mais que hoje os canais de series e de filmes mais conhecidos como plataformas de streaming.
É, pois, muito interessante verificar como a pandemia teve esta capacidade de alterar os hábitos das pessoas, pelo menos nestes primeiros dias de desconfinamento e de pascoela. Cansados de não puderem sair de casa, os Portugueses, por todo o país, invadiram as esplanadas. Não se espalharam pelos campos verdejantes e floridos para os piqueniques familiares, mas escolheram, com bastante imprudência e pouca responsabilidade, diga-se de passagem, o convívio urbano nos terraços exteriores que os aguardavam para o relançamento dos negócios. Assistiu-se assim a um exagero de pessoas, em grande concentração, sem os devidos cuidados de distanciamento ou de proteção como o uso da máscara, o que não augura nada de bom no que respeita à evolução da pandemia. Esperemos que estes excessos da pascoela sejam refreados a tempo de modo a não cairmos de novo num aumento de casos e de contágios.◄

 

 

  • Publicado no Jornal PALAVRA, edição de abril 2021

Autor