O livro Panchatantra (5 séries de contos), uma raridade literária de autor anónimo que recomendo, é uma espécie de bíblia hindu escrita sob a forma de fábula, ou seja, em que os animais são os protagonistas dos diálogos!
Começo esta reflexão com uma zloka (aforismo, ditado, máxima) do referido livro, relativamente, ao que é ser AMIGO, “São necessárias seis atitudes para comprovar uma verdadeira AMIZADE: dar, receber, contar segredos, perguntar, comer e convidar para comer!”
A palavra AMIGO tem origem no vocábulo latino “amicus”, que significa “gostar de”, “amar” e, por isso, nesta vida socialmente difícil, só é possível sentirmos o verdadeiro amor em dois momentos, ou no núcleo familiar ou com os AMIGOS.
Quem me conhece bem, sabe que a palavra AMIGO tem um valor imensurável e, por isso, evito a banalização do seu uso, contrariando a jactância de muitos pelo número de AMIGOS que têm hoje em dia, sobretudo, nas redes sociais ou até mesmo fora delas. Ter AMIGOS é coisa séria! A AMIZADE é um processo trabalhoso e duradouro que se constrói com o tempo porque os AMIGOS são como a nossa família, são para toda a vida, fazem parte de nós, para o bem e para o mal.
Como ser sociável que somos, admito o uso da palavra AMIGO como algo cordial em determinados momentos da vida. É evidente que podemos conhecer muitas pessoas com quem simpatizamos ou gostamos de falar, no entanto, não significa que sejam nossos AMIGOS porque a verdadeira AMIZADE é pôr a nu o nosso íntimo em que é permitido dizer tudo, sem exceção. Com os verdadeiros AMIGOS existe uma relação de confiança extrema, aceitam-nos como somos e também são os primeiros a apontarem-nos os erros que aceitamos, sem rancor ou constrangimento!
Por vezes, o rumo das nossas vidas leva-nos ao afastamento, mas o reencontro de um AMIGO que deixámos de ver há muito tempo acontece sempre com o mesmo entusiasmo e alegria como se nunca nos tivéssemos separado! Se há algo fantástico que hoje as novas tecnologias nos proporcionam é, sem dúvida, a possibilidade de reencontrar familiares e AMIGOS distantes através duma simples videochamada.
Assim como a nossa família, os verdadeiros AMIGOS são pessoas importantes para a nossa vida e, portanto, vivem, permanentemente, em nós, no nosso pensamento! Tantas vezes que em família recordamos acontecimentos com AMIGOS que estão longe ou que já não estão entre nós e nos rimos à mesa homenageando-os como se ali estivessem connosco, tantas vezes!
Há uma frase extraordinária do escritor António Lobo Antunes que explica muito bem o valor da AMIZADE, “Os AMIGOS não morrem: andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda; desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido. É como, não: nunca partiram.”
Aproveito para recordar, postumamente, o João Samuel, um bom AMIGO que fiz em Reguengos de Monsaraz! Recordo com emoção, o nosso último almoço na aldeia dos Orvalhos, integrado na Mostra Gastronómica de Peixe do Rio do Alandroal, no Café Central da Dona Olinda, uma simpática e humilde senhora. Comigo continuam a viver as conversas à mesa, sobretudo, acompanhadas das saborosas sopas de peixe do rio que degustámos, em família, na casa de cada um!
A morte leva os AMIGOS, mas a vida também os traz porque a porta da AMIZADE estará sempre aberta enquanto por cá andarmos!
Se a AMIZADE está na relação com o outro, a FELICIDADE só depende de nós!
A palavra FELICIDADE deriva do étimo latino felicitas e do verbo grego phyo, que transmitem o significado de fecundo ou produtivo. Portanto, e numa definição pessoal, a FELICIDADE é um processo de construção diário que só depende das nossas escolhas, as quais produzem momentos de prazer que desejamos que não acabem porque nos deixam FELIZES, porque é essa a vida que nós queremos e quanto mais momentos desses, mais FELIZES somos!
Somos FELIZES por momentos e não plenamente FELIZES porque, infelizmente, o sofrimento faz parte da vida e o sofrimento traz-nos, inevitavelmente, a infelicidade, sobretudo, com a doença ou a morte de um familiar ou AMIGO.
Recordo uma frase bem atual de François-Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudónimo Voltaire, escritor, ensaísta, deísta e filósofo iluminista francês do séc. XVIII, “FELIZ daquele que desfruta agradavelmente da sociedade! Mais FELIZ é quem não faz caso dela e a evita!” Infelizmente, o mundo é habitado, maioritariamente, pelos “FELIZES de Voltaire”! Pessoas que se limitam a pedir saúde, agem sem escrúpulos e vivem carregados de estupidez! De certa forma, é esta a realidade da FELICIDADE mundana, diria, uma FELICIDADE despreocupada, sem responsabilidade, sem sentido crítico, sem respeito pelo próximo e pela natureza, no fundo, extremamente egocêntrica carregada de mediocridade. Nascemos ignorantes, mas não nascemos estúpidos.
Vivemos o mês do Natal e desde outubro que somos bombardeamos com o incentivo ao consumo que me enoja porque a essência natalícia não está no consumo. Podemos ser FELIZES, ou melhor, estar FELIZES com tão pouco! Este ano fomos, inesperadamente, presenteados com um vídeo do Whatsapp, feito pelo Osvaldo, o jovem que ajudamos nos estudos, há 4 anos, através da Associação HELPO, onde o mesmo agradece o nosso apoio e lê a carta que lhe enviei em novembro para Pemba, localidade pertencente à complicada província de Cabo Delgado, situada no norte de Moçambique, a cerca de 11 mil Km de distância de Reguengos de Monsaraz, o que nos deixou, emocionalmente, FELIZES!
Termino com uma frase de Benjamin Disraeli, político e escritor inglês, do séc. XIX, “A vida é muito curta para ser pequena”, na verdade, devemos aproveitá-la ao máximo fugindo da futilidade e mediocridade dos dias, com a certeza de que uma vida com verdadeiros AMIGOS é, inquestionavelmente, uma vida mais FELIZ! Um ótimo e FELIZ dia para todos!◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de dezembro de 2022

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