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Editorial de junho 2021

A Fundação Francisco Manuel dos Santos apresentou no dia 12 de abril um estudo sobre a pobreza em Portugal que já foi alvo de diversas conversas tanto na televisão como na rádio. A própria Fundação tem online algumas conferências sobre as temáticas abordadas neste estudo e realizadas durante os meses de abril e maio. Vale a pena assistir a todas elas para conhecer a realidade do país.
O diagnóstico revela que são quase dois milhões os portugueses que vivem em risco de pobreza, o que não é novidade. A novidade surge quando se percebe que existem várias pobrezas entre os pobres, o que há de comum entre elas e o que as diferencia.
O Estudo, realizado por uma equipa de onze investigadores de diferentes áreas e coordenado pelo sociólogo Fernando Diogo, professor da Universidade dos Açores, revela que mais de metade das pessoas que vivem em situação de pobreza têm um emprego e têm contrato de trabalho sem termo. Trata-se de um elevado número de portugueses que, apesar de trabalharem, continuam pobres e vão continuar pobres sempre. Muitos trabalham dez e vinte anos sem conseguir sair da situação de pobreza. Isto significa que em Portugal dificilmente um pobre consegue sair da pobreza, mesmo que trabalhe, e transmite essa situação de geração em geração, num círculo interminável.
A pobreza em Portugal não é uma realidade apenas dos desempregados ou dos precários, é uma realidade mais abrangente, em que estes grupos se entrelaçam. Os pobres são filhos de pobres, isto é, os precários são filhos dos desempregados e dos que, apesar de trabalharem, continuam pobres.


A pobreza em Portugal não é só resultado dos baixos níveis de escolaridade. Há pobres que completaram a escolaridade obrigatória.Quem lê este Estudo percebe que Portugal se tornou numa fábrica de pobreza. O círculo da pobreza é impenetrável às soluções e nenhuma medida governamental conseguiu, até agora, quebrar este círculo. É um círculo que admite cada vez mais pessoas, mas não liberta quem nele entra por qualquer fatalidade. A situação é tanto mais grave quando se percebe que o Estudo não contempla o ano da pandemia, pelo que, o último ano não pode servir de desculpa nem justificar o problema.
Os especialistas são unanimes em afirmar que tem sido gasto muito dinheiro em programas de combate à pobreza sem resolver as sua verdadeiras causas. Há uma sensação de frustração em todos os que estiveram empenhados nestes programas porque se gasta muito dinheiro sem atingir a verdadeira raiz do problema. Se é necessário apoiar as pessoas com subsídios, em determinadas alturas da vida e situações concretas, a verdade é que o problema não se resolve com subsídios. Isto não significa que se deve acabar com subsídios, porque eles têm sido a garantia para muitas famílias terem uma vida menos difícil e superarem o problema da fome, da habitação, entre outros. Mas os subsídios devem ser direcionados para uma determinada forma de ação e para resolver determinadas situações concretas e pontuais, como é a situação daqueles que de um dia para o outro estão impossibilitados de continuar a trabalhar, por causa de uma doença grave, um AVC, um impedimento que os deixa incapazes de continuar a sustentar-se e a sustentar a família. Mas o problema da pobreza enquanto tal não se resolve com subsídios, mas com medidas concretas que aliviem as dificuldades reais das pessoas.
A pobreza exige uma alteração radical em muitos outros setores da vida. Desde logo uma revalorização da Escola enquanto lugar de promoção da igualdade humana, da aprendizagem como meio de realização pessoal, da cultura como fonte de felicidade o que implica o acesso generalizado à cultura, a valorização do saber e consequentemente do percurso académico. Podia dizer-se que é necessário revitalizar o sonho, a capacidade de sonhar. Os pobres deixaram de sonhar porque não conseguem concretizar os seus sonhos. Habituaram-se à pobreza e até conseguem pensar que estão bem. É necessário inverter esta situação e revitalizar a capacidade de sonhar. Os pobres podem sair da pobreza e os filhos dos pobres podem terminar um curso superior. Isto já foi possível em Portugal e já se deu um retrocesso.
O caminho da mudança tem que começar na infância. O Estudo da FFMS revela que a pobreza nas crianças cresceu acima da média geral. Por este caminho e sem uma atenção mais eficaz sobre a situação real das crianças, Portugal não vai conseguir alterar nem os números nem os fatores da pobreza.
As crianças podem fazer a diferença se forem ensinadas a sonhar, se aprenderem a gostar da escola, ganharem gosto por saber, descobrirem a importância do conhecimento e experimentarem a alegria da conquista. Se forem acompanhadas num percurso alternativo ao que lhes está definido por estigma. O estímulo é muito importante.
Isto implica uma Escola diferente, mais inclusiva e gratificante. Não é de estranhar que no ranking das Escolas as primeiras 50 sejam particulares. É necessário dar à Escola pública as mesmas condições da Escola privada e não fazer guerra à Escola privada. É absolutamente urgente acabar com rankings que só provocam frustração nas pessoas e no sistema. O desinteresse pela Escola é geral e não apenas dos pobres.
Se o fator educação é fundamental na mudança do paradigma da pobreza, a habitação é igualmente fundamental. Não é possível construir uma mudança quando uma criança aprende hábitos de higiene na escola que não pode pôr em prática em casa, descobre a importância da saúde na escola e não pode usufruir das condições necessária para concretizar essa descoberta, percebe a importância de uma alimentação saudável e não tem comida em casa. Que experiência vive uma criança que tem ar condicionado na escola e passa frio em casa? Sem alterar os parâmetros da qualidade de vida das famílias não é possível vencer o círculo interminável da pobreza. Em Portugal há sistematicamente dois milhões de pobres.
A pobreza em Portugal é familiar, quer dizer, são pobres os que têm pais idosos e filhos pequenos a seu cargo. E quando os pais e os filhos são pessoas doentes ou deficientes a pobreza é ainda maior.
Ter família não pode significar ser pobre. Em Portugal ter filhos não pode ser a razão pela qual se entra no círculo da pobreza, mas é isso que acontece em muitos casos. ◄

  • Publicado em Jornal PALAVRA, edição de junho 2021

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