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Editorial dezembro 2022

Tudo começa com um homem de meia idade a correr ao longo de uma estrada que parece não ter fim. Corre sem destino. Para… corre desesperado… chora. Detém-se nas rochas junto ao mar. Está perdido. Ouve-se o telemóvel a tocar. Segura-o nas mãos… é o pai… vê-se no monitor “Pai… 8 chamadas não atendidas”. Não atende. Perdido nas rochas um telemóvel toca. Procura-o. É uma jovem. Atende: “Estou…!”. Do outro lado uma voz doce… inteligente e doce: “Esse telemóvel é meu. Eu perdi-o… onde é que tu estás?” Ele responde: “Não sei… fui dar uma volta…” Inteligente a jovem diz: “Ok…! Achas que podemos encontrar-nos…? É que eu preciso mesmo desse telemóvel… Podemos ir a falar se tu quiseres…” Ele responde: “Ok”. Seguem os dois falando um com o outro, à distância, até que chega o sorriso e a descoberta do outro. Ele entrega-lhe o telemóvel e ela diz “Obrigado” ao que ele responde “obrigado eu…” Ele regressa a casa do pai, bate à porta e o pai abraça-o. No final surge o alerta “Se estás a viver um problema de saúde mental, partilha-o”.
Parece um anúncio de televisão, mas é a vida real, tal como a vivem muitas pessoas.
Um estudo do STADA Health Report realizado este ano com trinta mil europeus, onde se incluíram 1997 portugueses, revela que metade da população portuguesa já viveu ou está em vias de viver, situações de burnout (estado de esgotamento físico e mental causado pelo exercício de uma atividade profissional). Ao contrário do que se poderia pensar, as pessoas que reconheceram ter passado por esta situação, são na sua maioria pessoa instruídas, realizam um trabalho qualificado e vivem em meios urbanos. A pandemia agravou o estado de saúde destas pessoas que se viram obrigadas a gerir a sua situação de fragilidade com o peso das medidas de confinamento e higienização.
No geral a saúde mental dos portugueses agravou-se com a pandemia, com a conjugação de vários fatores. Por um lado, a situação já de si frágil de muitos portugueses com problemas mentais, por outro o confinamento ao espaço familiar, com a família toda em casa, agravado em muitos casos com o teletrabalho e o ensino à distância. Coordenar todas as responsabilidades em contexto de pandemia na tentativa de proteger da Covid-19, levou muitos a uma sobrecarga de stress superior às suas forças. Em algumas famílias este tempo foi particularmente intenso devido à deterioração das relações familiares, à morte de familiares sem a possibilidade de fazer o luto e ao agravamento da situação financeira.
A temática é particularmente preocupante entre a juventude. Na faixa etária entre os 15 e os 24 anos verificou-se, em todos os países da União Europeia um aumento de depressões, sendo a média de 6% de depressões em 2019 e passando para 50% depois da pandemia. Para este resultado conjugaram-se fatores como o stress do confinamento e a diminuição ou mesmo ausência de cuidados de saúde mental.
Particularmente grave nos jovens, pelas consequências que vai ter no seu futuro, a doença mental é um assunto sério em todas as idades, daí a importância de estar atento aos sinais que o próprio corpo dá, para se poder atuar de forma imediata e prevenir situações de agravamento e de prolongamento no tempo.
O aumento de casos de ansiedade e depressão trouxe para o dia a dia o tema da saúde mental e obrigou a tratar este assunto como uma doença, o que facilita a aproximação e a procura de uma resposta junto dos profissionais da área, psicólogos e psiquiatras, retirando o estigma com que era visto habitualmente. Também obrigou a uma distinção entre ansiedade/depressão e doença mental. Sendo assuntos do foro da mente, nem todas as situações se podem caracterizar como doença mental.
A importância do tema está no número de situações e no seu agravamento no contexto da pandemia e tornou-se uma oportunidade para conhecer melhor as circunstâncias e os sinais que o organismo dá para se poder procurar uma resposta adequada ao problema, de acordo com a gravidade da situação.
Entre os sinais mais importantes, que são também alertas para a necessidade de procurar ajuda, estão as manifestações anormais de ansiedade, ou seja, há uma ansiedade normal que surge em situações como pode ser um exame, a apresentação de um trabalho, a incerteza de um diagnóstico médico, o primeiro dia de trabalho numa empresa. No entanto, se este estado de ansiedade, se prolonga no tempo, mesmo depois de ter passado o motivo que a provocou, então é caso para procurar o médico.
Há muitos outros sinais, como podem ser palpitações, dificuldade em encher o peito de ar, sensação de inquietação, estado permanente e injustificado de preocupação, de medo, de receio, tensão muscular, perturbações do sono e do apetite, sonolência ou insónia persistentes. Situações como estas, em forma desiquilibrada e desajustada do padrão habitual da pessoa deve constituir uma preocupação e ser motivo para procurar o médico.
Importante e urgente é a prevenção e há muitas coisas que podem ser feitas para prevenir uma situação de ansiedade, depressão ou mesmo evitar a deterioração da saúde mental. Cuidar da alimentação, fazer exercício físico, tempos de meditação, conviver com amigos e familiares e partilhar o que sente.
Fundamental é sempre estar atento a quem está ao lado. Muitas pessoas desenvolvem sintomas de depressão e ansiedade e não são compreendidas porque ninguém se apercebe do que se está a passar com elas. Estão mais agressivas, intolerantes, antipáticas, desligadas e ninguém percebe que estão a desenvolver sintomas de ansiedade e/ou depressão.
Estar atentos aos outros e perceber os sintomas que manifestam para poder prestar o auxílio de que necessitam, é fundamental.
O tempo de inverno e a aproximação ao Natal gera em muitas pessoas sentimentos de nostalgia, tristeza, saudade, que podem facilitar um certo isolamento.
Em nenhuma altura do ano se podem deixar sós os que sofrem de problemas do foro mental, mas neste tempo de Natal é fundamental acompanhar os mais vulneráveis a este tipo de doença.
Cuidar dos outros é fazer acontecer o Natal.
Feliz Natal para todos.

  • Publicado no Jornal PALAVRA, edição de dezembro 2022

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