A ideia para este texto era voltar à guerra que se trava na Ucrânia e, ressalvando mais uma vez a condenação do invasor e a solidariedade com o invadido, comentar o último pedido, quase exigência, de Zelensky, para com a União Europeia: impedir todos os russos de entrar em todos os países que constituem este bloco europeu! Putin não diria melhor referindo-se a ucranianos. Mas também queria perorar sobre as reações das elites ucranianas ao relatório da Amnistia Internacional que afirma que a colocação de bases militares ucranianas em zonas habitacionais potencia a hipótese de aumento das mortes de civis no conflito. Nada que oficiais portugueses que habitualmente comentam o dia a dia da guerra não tenham já referido. Mas tal pareceu muito mal a Kiev, a Amnistia Internacional foi acusada de fazer o jogo da Rússia. Impressionante é que a mesma organização tenha sido muito louvada quando denunciou crimes de guerra perpetrados pelas tropas russas. Portanto, para Zelensky, há duas formas de tratar as organizações não governamentais: incensá-las quando fazem relatórios que são favoráveis, demonizá-las quando apontam algo incorreto à Ucrânia. De igual forma gostaria de me referir ao silêncio que os órgãos de comunicação social devotaram às informações extraídas dos “Pandora papers”, conhecidas no outono passado, segundo as quais o presidente iraniano tem fortuna escondida em paraísos fiscais como as Ilhas Virgens Britânicas ou Chipre. Foram também, nessa altura, avançadas informações que davam Zelensky como proprietário, através de off-shores, de vários edifícios em Londres, todos com valores de milhões de euros. (A investigação que levou à divulgação de dados sobre a evasão fiscal em paraísos fiscais conhecida como “Pandora papers” é da responsabilidade de um consórcio internacional de jornalistas, não se pense ou não se vá dizer que é propaganda anti-Ucrânia). Na altura ainda houve algumas reportagens sobre o assunto, mas depois Zelensky tornou-se uma estrela mediática à escala planetária e silenciou-se por completo qualquer informação que pudesse manchar uma personagem do “jet-set” mundial, cuja esposa merece a capa de uma edição da revista “Vogue”, talvez a revista mais exclusivista do planeta, cultora do luxo. O casal Zelensky também foi figura destacada numa entrevista mundana na clássica britânica BBC. Os vários excertos que se tornaram públicos mostram um casal extremamente feliz, sem referências à guerra, contando episódios ligeiros e cómicos da vida em comum. Tudo o que seria expectável de um líder de um país em guerra, portanto!
Mas tenho que ficar por aqui no que concerne à trágica situação que se vive na Ucrânia, porque duas notícias no espaço mediático português do dia de hoje impõem uma reflexão. A primeira revela que o ministro das finanças, Fernando Medina, contratou Sérgio Figueiredo, ex-diretor de informação da TVI, como consultor. Que mal tem isso? Perguntará o leitor mais distraído. Pois bem, quando era diretor de informação da TVI, Sérgio Figueiredo contratou Fernando Medina como comentador político.
Para além da promiscuidade que mais uma vez ressalta entre o poder político e o jornalismo, levanta o alegado pagamento de favores, até porque Figueiredo foi contratado por ajuste direto, não se sujeitando a nenhum escrutínio público nem a nenhum teto salarial, indo auferir um salário igual à do ministro.
Este é mais um episódio que degrada a democracia e o jornalismo livre. Pensariam Fernando Medina e Sérgio Figueiredo que esta contratação ficaria no segredo dos gabinetes? Não avaliaram as consequências deste ato? É, no mínimo, intrigante!
O outro caso relaciona-se com uma entrevista à SIC dada por António Gomes Samuel, chefe de missão da embaixada de Portugal em Doha, Catar, a propósito de uma reportagem feita pelo canal de televisão sobre as condições de trabalho miseráveis dos imigrantes do sudeste asiático. O diplomata em questão referiu que quem tem a pele mais negra sente menos as condições adversas em que trabalha e que, por isso, há algum exagero nas denúncias que se fazem. Não contente com isso, terminou a entrevista dizendo que todos os estrangeiros que se desloquem ao Catar por ocasião do Mundial de Futebol devem ter cuidado com os costumes para não escandalizarem os autóctones, exemplificando com o consumo de álcool, que deve ser evitado. E, pérola das pérolas, acrescentou ainda que aqueles que sejam homossexuais devem-se abster da sua inclinação sexual, uma vez que a homossexualidade é malvista no Catar. O ministério dos negócios estrangeiros já condenou as declarações. Espero que demita sumariamente este alto representante de Portugal. Um país não pode ter diplomatas destes! ◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de agosto 2022
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