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As profissões do passado, as habilitações do presente e o “desenrasque do futuro”

Quando éramos pequenos, era comum ouvirmos falar do “antigamente”, como sendo “há muito tempo atrás”. Nessa altura, a quantidade de pessoas com habilitações extensamente desenvolvidas em Portugal era muito reduzida, não apenas por falta de capacidade, mas sim pela falta de incentivo em prol da sociedade da época e pela generalidade das condições económicas. Neste tempo do “antigamente”, a maioria das profissões dos cidadãos portugueses centrava-se em atividades de sustento e não de usufruto, como era o caso da pesca, da agricultura, do trabalho artesão e do comércio de rua. Embora já se tivesse dado a revolução industrial, a mão de obra neste setor não era predominante.
Ao longo dos anos, a noção do significado da palavra “trabalho” foi evoluindo e os portugueses começaram a apreciar o chamado “emprego seguro para a vida”, com as devidas condições contratuais que lhe pudessem dar o sentido de usufruto e não apenas de sustento. Com um emprego seguro, seria mais fácil sustentar uma família e dar melhores condições às gerações vindouras. Por esta altura, começaram a expandir-se os estabelecimentos de ensino superior um pouco por todo o país, não apenas em Évora, Coimbra e Lisboa, o que veio dar novas oportunidades a quem não poderia sair da sua região para estudar. Com este marco, as profissões centradas na pesca, na agricultura e no trabalho artesão começaram a ficar mais reduzidas, correspondendo hoje em dia a apenas 8% da população portuguesa, segundo a agência Reuters. É caso para dizer que passou do 8 ao 80, embora no sentido inverso.
Com a entrada no século XXI, iniciam-se os chamados “tempos modernos” e são criados cursos superiores para todas as áreas que possamos imaginar, levando ao “declínio” alguns dos setores considerados como prioritários no passado, como é o caso das ciências sociais e da educação, portanto ciências humanas. Estes são apenas dois exemplos de setores, em que a oferta não conseguiu acompanhar a procura. Embora muitos dos empregos de comércio de rua tenham sido substituídos, estes passaram a ser preenchidos na sua larga maioria por trabalhadores-estudantes, enquanto frequentavam o ensino superior. Infelizmente, para muitos não passou de um objetivo não concretizado, dada a elevada taxa de desemprego e falta de oportunidades profissionais na área.
Duas décadas depois, surge a pandemia, que hoje em dia se vive, evento mundial que nos obrigou a aprender a reconfigurar a nossa forma de viver, o nosso dia-a-dia, os nossos valores e nossos objetivos profissionais futuros. Embora num “novo normal”, o investimento científico tomou um novo rumo e outras profissões relacionadas com o trabalho artesanal ganharam vida, ainda que como hobby ou forma de “desenrasque”. Nesta perspetiva, também a forma de ver o emprego como objetivo de usufruto evoluiu, tendo as taxas de rotação de colaboradores disparado em 2020, o que quer dizer que houve mais pessoas a mudar de emprego e de funções do que a ficar sem oportunidades. O futuro pode e deve ser construído, mas nunca com base em dados adquiridos, pois este tipo de eventos é muitas vezes cíclico.◄

  • Publicado no Jornal PALAVRA, edição de setembro 2021

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