Portugal é um país estranho. A forma como as coisas acontecem faz pensar que não somos todos portugueses. Há mesmo situações em que somos levados a crer que uns são portugueses e outros não, ou uns são mais portugueses que outros.
Sempre me estranhou o facto de, nas coisas mais básicas e essenciais, se verificar, com alguma frequência, uma discrepância de critérios e uma discriminação positiva ou negativa entre uns e outros. Quando digo “coisas básicas e essências” refiro-me a benefícios que devendo ser generalizados são apenas oferecidos a uns e não a todos, quando deviam ser concedidos a todos por igual.
Se não me escandaliza que se auxiliem as pessoas com menos capacidades, menos recursos, menos apoios, menos condições e menos oportunidades, já me escandaliza que a decisão de prestar auxílio dependa, não da necessidade dos cidadãos, mas do grau de bondade e generosidade do dador, responsável social, político ou outro. O apoio decorrente do “necessitado”, do cidadão, é objetivamente mais justo, porque se apoiam os que estão em situação de semelhante fragilidade, já o apoio decorrente do dador faz com que, onde o dador é generoso, até os não necessitados usufruam de auxílios de que não necessitam e onde o dador é menos generoso nem os necessitados recebam apoio ou, se receberem, é um apoio tão ridículo que não lhes resolve o problema deixando-os sempre em situação de carência.
Dois ou três exemplos para ilustrar esta minha indignação.
Há uns anos atrás surgiram notícias sobre algumas Escolas que decidiram dar fruta às crianças. Na altura apeteceu-me escrever o que escrevo hoje, porque achei a medida muito interessante, positiva, a merecer todo o apoio, mas indignei-me porque não entendi a razão pela qual só as crianças daquelas escolas é que tinham direito a comer fruta. Dirão alguns que hoje isso é generalizado. Sim, mas enquanto é e não é, uns são mais portugueses que outros.
Há uns anos atrás surgiu como notícia a oferta de manuais escolares por parte de algumas Autarquias às crianças das Escolas da sua jurisdição. Indignei-me. Então, que culpa têm as crianças e os pais que vivem nos outros municípios para não merecerem receber gratuitamente os manuais escolares? Dirão alguns que hoje isso está generalizado. Sim, mas enquanto é e não é, uns são mais portugueses que outros.
Indignei-me, já há alguns meses, e tenho vindo a indignar-me por causa dos apoios que as Câmaras municipais dão aos seus munícipes no contexto da pandemia. E, na passada sexta-feira, dia 5 de março, entendi que devia escrever sobre este assunto, quando, ao ler o Jornal de Notícias, me deparei com o facto de a Câmara de Vieira do Minho, lá para os lados de Braga, ter decidido dar às pequenas e médias empresas do concelho até 2000 euros, 500 euros por trabalhador até ao limite de quatro (o que faz os tais 2000) numa única prestação. Não fiquei admirado ao ler as declarações de alguns munícipes que referiam que “é mais do que a administração central nos dá”. Um empresário até dizia “é um milagre, na medida em que faz falta como pão para a boca”.
Não contesto a medida, contesto a disparidade de medidas. Um dia dizem os jornais que a Câmara de A deu 20 mil euros às instituições de solidariedade social, a câmara B deu 5 mil, a câmara C não quis dar às IPSS deu ao Bombeiros, a câmara D pagou os táxis para o take away… É uma confusão de apoios, todos eles justos e necessários e todos juntos não chegam para as necessidades das pessoas, das famílias, das instituições, das empresas. Acaso não precisam todas as empresas, todos os Bombeiros, todas as IPSS. Dirão alguns que cada município apoia os que pode. E digo eu, como ficam aqueles que ninguiém apoia ao ver que outros são apoiados?
Tem razão aquele empresário quando diz, “é como pão para a boca”. Sim é, mas as empresas de todos os municípios têm trabalhadores e todos os trabalhadores têm boca e todas as bocas precisam de pão e não apenas as de Vieira do Minho.
É caso para dizer, porque é que não nasci em Vieira do Minho? ◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de março 2021
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