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“Guten Morgen”: os 1989 Km de saudade que separam Portugal da Suíça

“A despedida da família não foi nada fácil”, afirma Bete, como é carinhosamente conhecida. “Mas pensei: vou aproveitar esta oportunidade. E se não correr bem volto para Portugal e volto a procurar algo [um trabalho] idêntico. Mas não penso que é algo definitivo, porque se pensar que é… dói muito”.
Bete terminou a licenciatura em 2012, em plena crise financeira. Além das poucas oportunidades de emprego, as ofertas que tinha eram, essencialmente, em regime de meio tempo, não existindo vagas que assegurassem um emprego fixo e com contrato.
Dois anos depois, a Suíça estava a contratar enfermeiros portugueses. A 8 de maio, Bete e Luís, interessados nas ofertas, foram visitar o país e as instalações onde ficariam a trabalhar. Dia 31, no final do mês, a mudança efetivou-se e a 1 de junho o casal iniciou o novo emprego.
Bete estabeleceu-se no cantão alemão, a cerca de 30 Km de Zurique. No entanto, eram poucas as palavras alemãs que sabia: “Só sabia contar até 10, se tanto! A minha mãe sabe falar [alemão], porque nasceu na Alemanha. Mas nunca pensou que fosse necessário ensinar-me. Então vim para cá [Suíça] só a contar até dez e a dizer “Bom Dia” e pouco mais”, recorda Bete entre risos.
O primeiro dia de trabalho foi um desafio. “Foi muito stressante! Tinha que comunicar com muitos gestos. A sorte é que havia ali muitos portugueses e acabaram por ajudar. Também havia um colega italiano. Então era tentar falar italiano sem saber e ir apontando”. Inicialmente, Bete não mantinha relação direta com nenhum paciente. No entanto, isto alterou-se depois de aprender a língua.
“No processo de recrutamento também estava incluído um curso intensivo (que era pago através do nosso ordenado). Durante os primeiros 6 meses fizemos o curso intensivo de alemão até ao nível B1.
Após quase 7 anos na Suíça, por vezes ainda é difícil lidar com a saudade. “Passam os anos e as pessoas vão mudando. E a nossa relação com elas muda. Porque tu não estás nos dias em que a pessoa está triste ou com uma alegria qualquer que não consegue partilhar contigo nesse instante. Acabas por criar uma carapaça protetora porque tu própria acabas por ter de crescer sozinha. A relação com a família fica perto, mas, ao mesmo tempo, diferente”.

No entanto, algo ajudou Bete a sentir-se mais próxima de Portugal: a Missa. Descobriu que, perto de sua casa, a eucaristia era celebrada em português. Passou a deslocar-se propositadamente àquela igreja. “Quando ouvi as músicas, na primeira vez que fui à Missa, emocionei-me. Senti-me quase como que em Portugal! Foi mesmo bom”, recorda.
Porém, o dia a dia de Bete é tão preenchido que nem sempre tem tempo para pensar nas saudades do país onde nasceu. “A rotina aqui é muito envolvente. Consome-te. O tempo aqui passa muito rápido. Se calhar é por haver menos tempo de sol que em Portugal, mas aqui tu pensas que são 16H e, afinal, já são 20H”.
Por esse mesmo motivo, o dia dos suíços começa cedo. “Se observares a casa de um suíço, eles às 4H/4H30 já estão levantados e às 21H/21H30 estão na cama. O tempo que estás no trabalho é tanto que acabas por estar mesmo cansado à noite”. Bete revela que semanalmente, na Suíça, é hábito trabalhar-se 42H. No entanto, o tempo de almoço não se inclui. “Ou seja, aqui tens 36 minutos de almoço que são não pagos. Portanto estás no trabalho 8 horas e 24 minutos todos os dias, mais 36 minutos, pelo menos. No total, são 9 horas que estás no trabalho, quase 10!”.
Bete recorda que uma das casas que visitou, aquando da mudança para a Suíça, tinha uma sala sem candeeiros. Rapidamente, passa à explicação: “a ideia é: tu vais para o trabalho e quando vens já é de noite, comes qualquer coisa na cozinha e vais dormir. É quase uma vida robotizada! Acordam, bebem o seu Redbull, vão para o trabalho, ao almoço comem uma sanduíche e continuam a trabalhar até se fazer seis da tarde. E depois em casa comem qualquer coisa “maior”. Isto por volta das 17H30/18H, para depois irem para a cama”.

 

Este estilo de vida leva a que os nativos não conciliem a carreira com a criação de uma família. Para Bete, desde que foi mãe que sentiu necessidade de lutar e mostrar mais o seu valor, deixando claro que é possível conciliar ambos os parâmetros da sua vida. Mas para o fazer, recorreu a uma redução da carga horária de 100% para 80%, tendo direito a mais um dia livre na semana.
Bete tem, atualmente, dois filhos, ambos meninos. “[Ser mãe] Foi a melhor coisa da minha vida! Tem muito trabalho por trás, mas é a melhor coisa da vida”.
Ambos os partos foram feitos na Suíça. Tê-los em Portugal nunca foi uma questão. Isto porque, além de só poder viajar até às 36 semanas, os bebés não podiam voltar logo após o nascimento, algo que ia prejudicar o seu emprego. Além disso, Luís teria de ficar na Suíça para assegurar o trabalho, não podendo estar presente no momento do nascimento.
Rosa, mãe de Bete, soube do nascimento do primeiro neto através de uma videochamada: “A minha mãe não pôde vir logo [visitar-me], só veio mais tarde. E a videochamada foi assim uma surpresa. A minha mãe estava a dar sangue com a minha irmã e eu liguei e quando ela atendeu mostrei-lhe a cara do meu filhote. Começou logo a chorar! Foi muito bom”, recorda Bete com alegria.
Um dos momentos mais marcantes e felizes da mudança da vida de Bete – além de ser mãe – tem sido a construção da sua relação com Luís.
“Aqui acabas por te unir muito. Como não tenho mais ninguém perto a união com o meu marido foi maior ainda. Acabámos por ter um relacionamento muito saudável, muito bom e próximo, dando tempo, também, para que a pessoa tenha tempo para ela própria. O nosso relacionamento deixa-me muito feliz”, conta.

Nos últimos tempos a preocupação pela família que ficou em Portugal aumentou. “O coração está sempre muito apertadinho… Às vezes até tenho receio de ligar os canais portugueses e ver o estado em que está Portugal”, confessa, acrescentando que gostava de “poder estar perto” da família e amigos.
Para a enfermeira, viver o luto à distância também se torna desafiante: “Sou da terra, sou conhecida e reconhecida e também conheço e reconheço as outras pessoas. Quando falece alguém aí [Reguengos] custa. Porque estou longe, estou distante e a pessoa faleceu. E custa pensar que é muito abstrato! Porque quando chegar aí de férias a pessoa já não existe mais. É um luto diferente”.
Nos planos de Bete mantém-se como opção, desde que partiu, o regresso a Portugal. “Pensar que vou ficar na Suíça a vida toda até ser reformada não está nos meus planos… É pensar muito tempo, são muito anos! Gostava muito de voltar”.
Mas até ser o momento certo, Bete, juntamente com Luís e os dois filhos, continua a lutar e a gerir a sua vida sem o apoio de ninguém, na certeza de que o mais importante é a sua família: o “porto seguro e o cais” ao qual volta “uma e outra vez”. ◄

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