1 – Volto ao tema da luta dos professores e, mais uma vez, declaro que sou parte interessada nesta disputa, uma vez que sou professor há quatro décadas, iniciadas em setembro de 1982. A minha enorme perplexidade neste assunto prende-se com a forma como o executivo liderado por António Costa tem desacreditado este conflito laboral, fazendo mais uma vez uso de um discurso de vitimização do governo. Da primeira vez que se referiu a esta situação, Costa afirmou que a recuperação do tempo de serviço que esteve congelado (6 anos, 6 meses e 23 dias) seria incomportável para o tesouro público, uma vez que importaria numa verba de cerca de 1400 milhões de euros anuais. Mais tarde, do Ministério da Educação houve a informação que seriam necessários mais ou menos 800 milhões de euros para fazer face a tal reivindicação dos professores. Entretanto a Associação de Diretores escolares fez contas, tendo o resultado descido abruptamente para 331 milhões de euros, sendo este número confirmado pelas Finanças. Mas este total refere-se a valores brutos, sendo deduzível toda a carga fiscal a qualquer trabalhador está sujeito. Portanto, esta soma ainda seria reduzida em mais uma média superior a 30% por docente, pelo que seriam necessários pouco mais de 200 milhões de euros líquidos para por fim. Se quisermos comparar números, poderemos acrescentar que, de acordo com números oficiais, que qualquer um pode consultar, os estrangeiros não residentes, os chamados nómadas digitais e os reformados de outros países que têm domicílio fiscal em Portugal, e que beneficiam de uma taxa plana de IRS de 20%, custam ao Estado Português mais de 950 milhões de euros anuais em receitas fiscais não arrecadadas, quase três vezes mais do que custaria a recuperação de tempo dos professores. O que causa perplexidade, para além de tudo, é a facilidade com que se citam números propositadamente errados para impressionar a opinião pública, a forma como mais uma vez se desvalorizam os docentes e a sua função, a hipocrisia que o ministro da tutela usa para comentar publicamente a alegada negociação com os sindicatos, vestindo personagens opostas, quando negoceia e quando comenta.
Mas perplexidade causa também a forma como o PSD e vários comentadores da sua área ideológica se referem a esta onda de luta dos professores! Qualquer observador minimamente atento percebe que a tão apregoada solidariedade com esta classe profissional acontece porque é o PS que governa. Porque houve nos últimos 15 a 20 anos um ataque velado aos docentes perpetrado por estes dois partidos e por ministros da educação (Maria de Lurdes Rodrigues, Nuno Crato, Tiago Brandão Rodrigues) que prestaram um péssimo serviço ao país e à Escola Pública. Se a Escola Pública ainda existe e cumpre o seu papel, deve-se, em grande parte, à resiliência dos docentes, tantas vezes desrespeitados, raramente reconhecidos socialmente, discriminados relativamente a outras profissões e, sim, mal pagos!
2 – Desilusão enorme e perplexidade ainda maior com a reação da Conferência Episcopal Portuguesa e das restantes cúpulas da Igreja aos abusos sexuais praticados por membros do clero, e agora trazidos à ribalta pela equipa independente constituída para investigar a situação. Não foi curial, foi até lamentável, mesmo para um ateu como eu, escutar vozes discordantes sobre responsabilidades, ouvir argumentos estapafúrdios que justificam o não afastamento de padres acusados de práticas criminosas… Foi penoso assistir à conferência de imprensa de D. José Ornelas; foi triste escutar o Cardeal Patriarca quase a desdenhar da possibilidade de indemnizações às vítimas; foi revoltante ouvir o bispo de Beja a admitir a hipótese de perdão a quem cometeu crime tão hediondo! Felizmente imensos católicos, com intervenção nas respetivas comunidades ficaram muito incomodados e reagiram, pedindo medidas e alterações profundas, propondo que a Igreja faça uma profunda reflexão. Felizmente houve vários bispos e arcebispos que afastaram padres suspeitos das paróquias da sua jurisdição, desmentindo o Cardeal Patriarca que afirmou que só a Santa Sé o poderia fazer. O Papa Francisco declarou e decretou tolerância zero para este terror que tem fustigado a Igreja. Era bom que todos os membros do clero o seguissem. ◄
- Publicado no Jornal PALAVRA, edição de abril 2023
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